Muita gente pensa que as únicas coisas que as testemunhas de Jeová tem a oferecer são aqueles folhetos cheio de chatices para nos converter. Mas, como diz a sabedoria popular, toda regra tem sua exceção. Na cidade para onde Eric Clapton e J.J. Cale viajaram em 2006, Escondido, no estado da Califórnia, uma devota senhora deu ao mundo Leslie Conway Bangs, no dia 13 de dezembro de 1948. Seu pai morreu quando ele ainda era jovem. Desde criança já se mostrava fissurado em escrever, escrevendo continuações dos livros de Júlio Verne, Robert Louis Stevenson e Alexandre Dumas. Na adolescência, viciou-se em ficção científica, apesar de sua mãe o proibir, pois se a Bíblia não mencionava vida em outros planetas, logo ela não existia.
Por algum tempo, também foi testemunha de Jeová, e tinha um talento quase sobrenatural para fazer as pessoas gostarem da mesma coisa que ele. Até descobrir a beat generation e o rock and roll, e no final dos anos 60 procurou com seus amigos Richard Meltzer e Nick Tosches lançar os alicerces da crítica roqueira. Ao mesmo tempo, foi contratado pela Rolling Stone após escrever um review negativo sobre o MC5 ("esqueça que eles vêm como um bando de punks de sessenta anos em uma power trip", dizia a resenha, uma das primeiras ao usar o termo "punk"), banda da qual se tornaria fã depois. Influenciado por Jack Kerouac e William Burroughs, "Lester" tornou-se ícone do New Journalism e seu subgênero gonzo - análises que mais pareciam narrações feitas enquanto se estava sob efeito de algum psicotrópico.
E a partir daí, tornou-se o escritor mais importante da música pop. Escreveu sobre jazz, a british-invasion, garage blues, blues-rock e ajudou a cunhar e definir termos como "punk" e "heavy metal", realizou entrevistas hilárias com Lou Reed. Dormia toda noite sobre efeito de bebida, logo após de erguer o nome dos Stooges e o MC5 às alturas, e o sono dos justos vinha ao som de Iggy e Black Sabbath. Foi chutado da Rolling Stone após escrever uma resenha negativa da Canned Heat, migrou para a revista Creem, mais liberal, onde fez sua fama e textos mais famosos. Depois, ainda escreveria para Village Voice, Penthouse, Playboy e outras publicações. Em suas entrevistas, discordava abertamente e discutia com o entrevistado quando tinha vontade. Referia-se a punks como "white nigger", ou seja, brancos que viviam nas mesmas condições que negros.
Criticava negativamente o rock progressivo e exaltava o movimento punk e o hard rock; por isso, mudou-se para New York e fez do CBGB's o seu point, elogiando Ramones, Television, Richard Hell And The Voidoids e Patti Smith Group. Aos poucos, se afasta da literatura esopntânea, apesar de ainda ser mil vezes mais sarcástico e com alma que muitos companheiros de ramo. Quase no fim da vida, tenta se desintoxicar no Texas ao lado de Lou Reed (o que qualquer mente sã sabe não ser a melhor das idéias), enquanto é torturado pelos embustes do rock and roll e a morte de Sid e Nancy.
Polêmico, produtivo, junkie, com passagens pela música, idealista, visionário, sarcástico, mal-educado, espontâneo, assumidamente contraditório, capaz de escrever textos feito "Como Ser Um Crítico de Rock" (um dos textos mais irônicos já feitos até o dia de hoje), Lester marca quem o conhece. Quem lê suas furiosas linhas não encontra nenhum pouco de imparcialidade ou objetividade. Encontra sangue, suor e rock and roll. Encontra é fúria ao invés de piloto automático.
Quando morreu há 25 anos atrás, em 1982, de overdose dos tranquilizantes Valium com Darvon, com apenas 33 anos passou de crítico de respeito a uma das figuras mais influentes quando o negócio é jornalismo musical. Ganhou merecidas homenagens e citações musicais de R.E.M., Ramones, Buzzcocks, Bob Seger, (Horseshoe), Gumdrops, inspirou o nome da banda Ghost Of Lester Bangs, e a homenagem mais famosa foi ser interpretado por Philip Seymour Hoffman no filme "Quase Famosos", do diretor Cameron Crowe.
No Brasil, é difícil encontrar algo do meste-que-recusava-ser-mestre (certa vez disse para os jovens jornalistas que aspiravam ser grandes feito ele para que nunca o copiassem), mas além do filme de Cameron Crowe, também se encontram várias citações no livro "Mate-me Por Favor" (o livro definitivo sobre o punk rock) e o seu livro "Reações Psicóticas", recomendado tanto para amantes de rock quanto para quem se interessa por new journalism e seu subgênero gonzo.
Para quem ainda não é conhecedor de seus escritos e ficou interessado, Lester Bangs é um escritor seminal para os apreciadores de música. E o leitor pergunta-se por quê. A explicação é simples: a identificação com Lester é imediata, mesmo que não concordemos com suas opiniões. Sua relação com os discos que ouvia, as cativantes entrevistas que realizou, os inúmeros shows que viu e descreveu, são textos escritos com calor. Não são linhas impessoais e frias.
E a partir do momento que as melhores músicas do mundo tendem a ser totalmente parciais e subjetivas, porque o resenhista das mesmas deveria fingir que está escrevendo tratados científicos sobre música? É por isso que dá-lhe, Lester. Os críticos de rock and roll devem ser tão ou mais caras de pau quanto os músicos sobre os quais escrevem, pois são eles que anunciam ao mundo cada uma das qualidades e defeitos do showbizz. Ensinamento importante esse; se quisermos apenas ganhar trocados e ganharmos discos de graça, é melhor irmos pentelhar em revistas para os não tão fanáticos assim sobre música; agora se quisermos escrever pela música e não pelos trocados, melhor dizer a doída verdade.
E com tantos críticos elogiando músicos sem graça nenhuma, penso que a cara de pau de Lester está fazendo um 'pouquinho' de falta...
"Talvez o que este livro exija do leitor é a disposição em aceitar que o maior escritor americano tenha escrito apenas análises de discos"
(Greil Marcus, na introdução da versão norte-americana de "Reações Psicóticas")
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4 Comments:
EMBORA O ASSUNTO NO GERAL SEJA PUNK, VOU FALAR DEVIDO A UM TRECHO Q LI:
ALL HAIL EXALTAR HARD ROCK! \m/ò.Ó\m/
Não faço idéia do que comentar.
Sei lá. Gostei do texto? Achei uma puta homenagem a um puta jornalista? Não sei mesmo, que merda.
Fico sem comentar nada, então.
Hard Rock é bom, gostei do texto ae mas nem sabia da existência desse cara. =D
Nunca li coisa alguma sobre ele, enfim. Ele parece ser o rei do jornalismo rocknerário e parece ser admirado pelo Dangerous Music; logo, ele é foda.
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