Lewis Allen Reed é uma figura um tanto estranha na história da música pop. Nos anos 60, o garoto que quando criança foi submetido a tratamentos de choque que a família aplicava para ser curado de sua homossexualidade, era envolvido com pop art e liderou a banda destinada ao fracasso Velvet Underground, pois em plena década do pacifismo e do amor livre o homem insistia em cantar sobre tráfico de drogas, uso das mesmas, sadomasoquismo, assassinato... O que deixou muita gente chocada, tanto para o bem quanto para o mal. Quando o Velvet encontrou seu fim, o inglês David Bowie, fã da banda, chamou Lou Reed para produzí-lo em uma carreira solo, ao mesmo tempo que também produzia o "Raw Power" de Iggy Pop & The Stooges. Junto a Reed e Iggy, os New York Dolls completariam o glam americano, muito mais frenético, urbano e violento que o glam inglês, mais metafórico e fantasioso.
Pois bem; se no Velvet, Reed já chutava o pau da barraca mesmo tendo que enfrentar outros pólos criativos da banda como John Cale e Sterling Morrison, o que o cara faria caso começasse uma carreira solo? Com certeza conseguiria abordar a fundo o que quisesse ao seu bel-prazer e sem ter que rachar composições com ninguém, ou ser obrigado a deixar uma loiraça alemã cantar suas composições, não é mesmo? Um LP com o nem um pouco discreto título de "Transformer", o segundo de Lou, respondeu a qualquer dúvida que poderia surgir- o primeiro, que levava o nome do artista, não teve lá tanto reconhecimento, mas já mostrava o que a carreira de Lou viria a ser.
O segundo disco solo de Lou Reed mostrava o que o glam americano era tal qual um filme de Martin Scorsese no qual todos usassem maquiagem - violento, envolvente, transgressor, provocante, muitas vezes não deixando espaço para meio termo diante do conteúdo apresentado. Na entrevista do lançamento desse disco, com os olhos pintados e apertadas roupas pretas, Lou Reed declarou estar namorando um transsexual de nome Candy. David Bowie, produzindo e fazendo backing vocals, e o escudeiro de Bowie Mick Ronson cuidando dos arranjos, foram duas figuras importantes no jogo malicioso de Lou, entre outros músicos e profissionais de estúdio.
A levada contagiante de "Vicious" é combinada com espamos elétricos, enquanto Lou Reed repete a frase de Andy Warhol "depravado, você me acertou com uma flor" e completa com "você faz isso toda hora", contando sobre um amor agressivo e moderno, pois a tal flor acerta Lou toda hora. A música vai lentamente ganhando corpo até ficar contagiante e Lou Reed sair gritando "vicious, you're so vicious" repetidamente. Ainda que romântica, também forte, direta e sincera, demonstrando como eram os loucos relacionamentos naquele período, pervertidos e perigosos ao último.
"Andy's Chest" começa lenta e vai ganhando corpo. O teclado nessa música tem um ótimo desempenho ao criar uma melodia que prende a atenção do ouvinte, para que a cozinha crie um ritmo delicioso que casa muito bem com as melodias da canção. Lou mostra-se um exímio conhecedor das ruas e utiliza várias metáforas de fácil entedimento, em versos como "Todos os chupadores de sangue barato estarão voando depois de você" e "E cortinas encordadas com diamantes, querida, pra você/E todos os nobres romanos pra você/E soldados de reinos cristãos, querida, pra você", ao mesmo tempo em que destaca o objeto da sua admiração da multidão.
O auge do disco surge na balada "Perfect Day", uma das melhores músicas da carreira de Lou Reed. Surgindo em compassos suaves, antes de completar dois minutos a música já se tornou um colosso de intensidade, onde graves irrompem em meio a teclados muito emocionais e violinos de encher os ouvidos. Lou alcança seu lado mais sentimental, ao lembrar de passar um dia perfeito com alguém que fez ele se sentir alguém normal, e se esquecer dele mesmo por alguns momentos.
"Hangin' 'Round" mostra como Lou Reed sabia criar um rock empolgante. Ainda com certa aura dos sixties, mas elétrica feito os anos 70, se adapta bem ao movimento glam ao qual Lou aderia. Ele descreve várias pessoas que faziam coisas com futuro promissor ou que faziam coisas inusitadas, e no refrão ele canta "então vocês continuam se pendurando pro meu lado/e eu não estou feliz de vocês terem me encontrado/vocês continuam fazendo coisas que eu desisti anos atrás" de forma realmente empolgante, feito realmente pra cantar junto.
Vemos aqui outro dos grandes clássicos do álbum, "Walk On The Wild Side", que relata as experiências homossexuais, transformistas e junkies de Lou Reed, contando a história de várias garotas com algo a mais. O instrumental aqui é discreto se comparado com a voz de Lou Reed, mas a bateria age para sustentar o principal destaque musical da canção, que é a linha de baixo fenomenal do baixista Herbie Flowers, que primeiro gravou o baixo acústico para depois gravar por cima o baixo elétrico, dando um efeito extremamente único. "New York é o lugar onde eles dizem: hey baby, dê um passeio no lado selvagem", afirma Reed sarcástico.
Agora é ouvida "Make Up", música cadenciada que parece ter saído de algum cabaré, com seu piano nostálgico e seu baixo soando alto. Lou Reed conta sobre uma garota que é linda quando está dormindo do lado dele na cama, mas quando acorda, se entope de maquiagem, e Lou diz que ela é uma garota astuta, e que "Quando você está na cama você é tão maravilhosa/É tão legal se apaixonar/Quando você se veste eu realmente fico chateado/As pessoas dizem que isso é impossível".
Sem a mesma tristeza do dia perfeito, surge "Satellite Of Love", talvez o lado mais pop e acessível de Lou Reed, com direito a uma grande performance de Bowie nos backing vocals e um dos melhores refrãos que Reed já compôs, mesmo sendo simples, repetindo o nome da canção. Lou reflete sobre os satélites colocados em órbita, afirmando que começou a pensar sobre o assunto porque viu na TV, invenção esta que gosta de assistir e que sempre o deixa pensativo, e afirma ironicamente que "um satélite foi para Marte/logo, lá estará cheio de estacionamentos" no melhor verso da canção.
Overdose de boas canções. "Wagon Wheel", repartida em andamentos rockers e refrão quase sumido que logo retoma o contagiante riff da música e a partir daí só cresce, a canção soa realmente exótica nessa estrutura. Sarcástico, Lou Reed pergunta se a pessoa não quer ser a roda do vagão dele, e fala para a pessoa viver a vida dela, ter alguma diversão, e se sentir atingido pela vida, "apenas dê um chute na cabeça dela/e a conserte de novo". Isso que é auto-ajuda...
"New York Telephone Conversation" é quase uma brincadeirinha de Lou de pouco mais de um minuto e meio, onde em cima de um piano que lembra aquelas canções pré-históricas de antes da década de 50, e comenta como o pessoal de New York é fofoqueiro, onde todos sabem de qualquer coisa que aconteça com qualquer um.
Um dos melhores rocks já compostos por Lou Reed está em "I'm So Free", com um riff empolgante, um refrão contagiante e backing vocals em falsete. "Sim, eu sou um filho da Mãe Natureza/E eu sou o único/Eu faço o que eu quero e eu quero o que eu vejo/Podia acontecer apenas comigo". Um atestado em forma de rock and roll de como eram os libertadores (e principalmente, libertinos) anos 70.
O álbum encontra seu final de forma bem irônica em "Goodnight Ladies", onde um instrumental nostálgico e um Lou Reed cantando até mais grave sugere todos a se chaparem e diz que já estamos juntos há muito tempo, reflete sobre a futilidade da vida, lamenta da solidão de uma noite de sábado e sempre encerra os versos se despedindo. Humorado ou sincero, glam ou rocker, Lou sempre consegue ser fantástico.
E Lou Reed não iria parar por aí. Ainda lançaria o sombrio, forte e conceitual "Berlin", o álbum todo feito em feedback "Metal Machine Music" e todas as crônicas urbanas, sombrias e violentas de "New York", apenas para citar mais três fantásticos álbuns de Lou. Se tratando dele, sempre pode-se esperar mais. Um dos melhores compositores do século 20 e que, mesmo vivendo uma vida de excessos continua vivo (e abusado) até os dias atuais. E, se permitem o clichê de encerramento:
Goodnight ladies,
Ladies, goodnight
Let me tell you now, goodnight ladies, ladies goodnight
It's time to say goodbye...
Marcadores: Resenhas
7 Comments:
lou reed, iggy pop e david bowie.
ai... "posso cagar na sua boca?"
"não, tudo bem, eu uso um prato."
satellite of love é TÃO bonitinha. principalmente na parte que o Curt Wild começa a cantar 'bum bum bum' pro Brian Slade!
(é, eu nao conheço nada de Lou Reed e só conheço a musica por causa do Velvet Goldmine UAHAHUHUAAHUAHUU)
ahh, Lou Reed é foda :D
eu tenho até um vinil dele huhu
mas ainda prefiro a carreira dele com o Velvet :D
Você comentou desse disco comigo uma vez, cheguei até dar uma ouvida online, mas pra te falar a verdade não me lembro de muita coisa. Mas se tratando de Lou Reed, tem que ser bom. :D
Abraços,
Luis
Não ouvi ainda, mas um dia ouvirei.
O refrão de "Hangin' Round" serve para um bando de bandas atuais...
"I'm So Free" podia ser cantada por GG Allin...
nao sou muito fã do glam... e olha que minha avó dizia que nos anos 60 as pessoas tinham mais respeito ao sexo. pobre velhinha.
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