Não é exagero dizer que poucas bandas experimentaram, ousaram e inovaram tanto quanto o Barão Vermelho, principalmente em solo brazuca. Ainda nos é desconhecido como aquela banda descompromissada, com um nome tirado de um alter-ego de Snoopy, se tornaria aquela que por muitos é considerada a maior banda brasileira dos anos 80 e uma entre as melhores de nosso rock. O que sabemos, em ruídos e boatos, pois nada pode ser confirmado com precisão sobre aqueles tempos ''nebulosos'', é que o futuro baterista Guto Goffi e Maurício Barros, que em breve assumiria os teclados, colegiais amantes de blues e rock, se uniram a um rapaz de nome Roberto Frejat, guitarrista, e Dé Palmeira, baixista, para formar uma banda. Com o espírito roqueiro, aqueles garotos com idade entre dezesseis e vinte anos ensaiavam na casa de Maurício, ainda sem alguém para tomar o vocal. Léo Jaime, amigo de todos da banda, que – como quase todos os outros – cantava, recusou um convite para ser o vocalista da banda e, em compensação, indicou um amigo, Cazuza, que à época se apresentava em teatros e circos com um grupo cênico de humor, Asdrúbal Trouxe o Trombone.
É clichê falar de Cazuza nesses tempos em que até filme já o retratou (de maneira fiel ou não), mas é igualmente impossível não lhe dar os créditos. Forte candidato a maior poeta do rock brasileiro (opinião que, pessoalmente, concordo), Cazuza pegou o gosto pelo rock em viagens a Londres e ao exterior em geral, onde se apaixonou pelos berros de Robert Plant, do Led Zeppelin, e pelos blues dilacerante de Janis Joplin e Billie Holliday. Isso ainda nos longíquos anos 70. Se por um lado era rebelde e roqueiro, deixando mesmo uma universidade de sucesso garantido para vagabundear pelas ruas do Rio de Janeiro, por outro tinha formação requintada, com conhecimento de literatura e artes em geral. Aspecto que delineou sua vocação artística, quando criança e durante toda a sua vida sua casa sempre esteve cheia de muitos artistas da música popular brasileira, devido ao estrelato da mãe e ao pai, praticamente dono da Som Livre. Isso fez com que ele adquirisse forte apreciação ao samba de Cartola ou à fossa de Dolores Duran.
A junção entre o lirismo e o intimismo das letras de Cazuza e o som pesado, mas extremamente bem tocado, do Barão, se tornou a fórmula que todos sabiam que iria ser não apenas um sucesso comercial, mas uma verdadeira mostra de criatividade. Daí a conseguir um contrato para um disco não foi muito sucesso, principalmente depois dos shows em bares e pequenos lugares públicos, já bem falados na cena do Leblon. Além disso, o pai de Agenor Miranda de Araújo Neto era um dos dirigentes da Som Livre, lembram?
O bolachão abria com ''Posando de Star'', que começa com batuques e palmas, para entrar então a voz de Cazuza, ''pouco importa o que essa gente vá falar mal, falem mal/eu já 'tô pra lá de rouco, louco total'', numa letra completamente boêmia, romântica, prezando o rock 'n' roll way of life, mas com um lirismo que não se via na maioria das músicas de muitos dos artistas considerados intelectuais da MPB. A guitarra de Frejat entra num ritmo maníaco, e a linha de baixo é especialmente viajante. Enquanto Guto voa em cima dos pratos e o teclado dá um clima rockabilly, o vocal berrado continua a destruir, literalmente. O primeiro solo do disco já dá uma mostra do que vem a seguir. Termina com a frase que abre, de maneira repentina e rápida.
Um piano soa ao longe, duma maneira que lembra um pouco Chopin, um pouco os duetos... quando a guitarra e o baixo anunciam o que há por vir, Cazuza entoa um blues melancólico. ''Down Em Mim'', obra de arte parcialmente baseada em ''Down on Me'', de Janis Joplin, tem um clima muito profundo de auto-destruição, com versos como ''da privada eu vou dar com a minha cara de panaca grudada no espelho/e me lembrar sorrindo que o banheiro é a igreja de todos os bêbados.'' Isso não te deixa pra baixo, mas transforma a depressão e a tristeza em fúria, fúria artística. Novo solo, dessa vez mais calmo, de rara beleza. O piano ainda solta seus últimos suspiros, e a canção se vai...
Um começo mais distorcido e menos pesado prepara ''Conto de Fadas'', com o teclado e a bateria com um destaque ainda não visto. E a letra não é menos devastadora, mas ainda assim sem abandonar as figuras poéticas e a linguagem figurada de Cazuza. É importante observar que apesar disso eles não se rendiam ao pedantismo de outros compositores; crítica mordaz à hipocrisia da classe média, com versos como ''princesinha dos cachos de mel/vai enfim calçar seu sapato/esquecido num bar'' e''papai e mamãe 'tão na sala/[...]/farejando/um futuro normal''. Como todas as outras, tem um solo, mas esse é maior, talvez mais bem trabalhado, que inicia com uma distorção e um som não vistos no Brasil desde os Mutantes.
''Billy Negão'' é rock and roll das antigas, com um riff grudento e cordas rápidas, com a bateria e o baixo em velocidade proporcional. A temática é de um personagem do submundo carioca que é preso por bater uma carteira, não por motivos violentos, mas apenas para pagar um pivô. Sarcástica, sim, mas a letra se prova uma maneira de contar história que poucos artistas souberam usar. A instrumentação é perfeita, com direito a mais um solo e algumas reviradas. Êxtase.
Cordas em lenta degradação introduzem uma viagem literal, essa sim quase psicodélica, num instrumental dos mais originais. Quando entra o vocal, percebemos uma verdadeira desilusão com o mundo, em mais uma narrativa de história. ''Certo Dia Na Cidade'' pode não ser a melhor música do álbum, mas tem seu valor mesmo quando comparada com as ditas obras-primas do Barão com quem compete. Sem falar da guitarra, essa realmente inspirada pelos anos setenta, num solo que não espantaria se tocado por Jimmy Page ou Ritchie Blackmore...
Vai aumentando gradativamente o riff, até entrar um teclado psicodélico na ode ao rock ''Rock 'N Geral'', com um ritmo que nos remete à década de 50. O solo agora fica também por conta das teclas, tudo na velocidade mais alta possível. Os versos são descompromissados, com até mesmo os ingleses ''hey mama can’t you hear my cry?/hey mãe, nunca me ouviu chorar?'' Termina com um orgasmo musical, quando todos os instrumentos perdem a força e param gradativamente.
Um riff antológico dá lugar a um acompanhamento de bateria, e entra o vocal novamente exaltando a boemia, nesse clássico rock bluesy que é ''Ponto Fraco'', com base nos versos "todo mundo tem um ponto fraco/você é o meu, e por que não?", mas isso não abandona o amor quase platônico presente na canção, como nos versos "benzinho eu ando pirado/rodando de bar/jogando conversa fora/só p’ra te ver/passando, gingando/me encarando e me enchendo de esperança", com uma descrição ciumenta que realmente não se vê até mesmo em muitos livros atuais, esses tão louvados pela mídia. Cazuza mostra definitivamente a que veio.
A bateria soa realmente meio oitentista, até se acelerar e a guitarra destruir e o vocal berrar "se você me encontrar assim/meio distante/torcendo cacho, roendo a mão/é que eu tô pensando num lugar melhor/ou eu tô amando/e isso é bem pior." "Por Aí" narra a desventura de mais um desiludido, não sem as interrupções repentinas da guitarra ou um solo distorcido. Não é a poesia mais linda do mundo, mas é sincera e devastadoramente realista.
Uma guitarra em tom que cresce e cai anuncia aquela canção que fez com que Caetano Veloso declarasse Cazuza "o maior poeta de sua geração". "Todo Amor Que Houver Nessa Vida" tem um tom melancólico, solos distantes, mas tudo, como todo o resto nesse disco, muito bem tocado. Porém, o destaque aqui é a letra, com versos apaixonados como "eu quero a sorte de um amor tranqüilo/com sabor de fruta mordida/nós, na batida, no embalo da rede/matando a sede na saliva". É um clássico barônico. Com o perdão da linguagem, é foda.
Aqui já não temos meramente um blues rock, mas sim um verdadeiro blues, acompanhado simplesmente do violão e backing vocals. "Bilhetinho Azul" é linda, suja, agressiva e poética, tudo ao mesmo tempo. Os versos são intimamente ligados, desde "hoje eu acordei com sono/sem vontade de acordar/o meu amor foi embora/e só deixou p’ra mim um bilhetinho/todo azul com seus garranchos" até "veio amor/como um abraço curto/p’ra não sufocar."
E acaba; Barão Vermelho, porém, era e continua sendo, mesmo com integrantes a mais e a menos - entre eles o próprio Cazuza – uma banda muito prolífica, o que nos deu de brinde mais dois discos com essa formação, ambos igualmente bons. Talvez não suceda surgir uma nova banda como o Barão na cena roqueira brasileira, mas, se não acontecer, não há necessidade para lamento: já tivemos uma trupe de cariocas cravando não apenas o seu nome no rock brasileiro, mas o do rock brasileiro na música mundial.
É clichê falar de Cazuza nesses tempos em que até filme já o retratou (de maneira fiel ou não), mas é igualmente impossível não lhe dar os créditos. Forte candidato a maior poeta do rock brasileiro (opinião que, pessoalmente, concordo), Cazuza pegou o gosto pelo rock em viagens a Londres e ao exterior em geral, onde se apaixonou pelos berros de Robert Plant, do Led Zeppelin, e pelos blues dilacerante de Janis Joplin e Billie Holliday. Isso ainda nos longíquos anos 70. Se por um lado era rebelde e roqueiro, deixando mesmo uma universidade de sucesso garantido para vagabundear pelas ruas do Rio de Janeiro, por outro tinha formação requintada, com conhecimento de literatura e artes em geral. Aspecto que delineou sua vocação artística, quando criança e durante toda a sua vida sua casa sempre esteve cheia de muitos artistas da música popular brasileira, devido ao estrelato da mãe e ao pai, praticamente dono da Som Livre. Isso fez com que ele adquirisse forte apreciação ao samba de Cartola ou à fossa de Dolores Duran.
A junção entre o lirismo e o intimismo das letras de Cazuza e o som pesado, mas extremamente bem tocado, do Barão, se tornou a fórmula que todos sabiam que iria ser não apenas um sucesso comercial, mas uma verdadeira mostra de criatividade. Daí a conseguir um contrato para um disco não foi muito sucesso, principalmente depois dos shows em bares e pequenos lugares públicos, já bem falados na cena do Leblon. Além disso, o pai de Agenor Miranda de Araújo Neto era um dos dirigentes da Som Livre, lembram?
O bolachão abria com ''Posando de Star'', que começa com batuques e palmas, para entrar então a voz de Cazuza, ''pouco importa o que essa gente vá falar mal, falem mal/eu já 'tô pra lá de rouco, louco total'', numa letra completamente boêmia, romântica, prezando o rock 'n' roll way of life, mas com um lirismo que não se via na maioria das músicas de muitos dos artistas considerados intelectuais da MPB. A guitarra de Frejat entra num ritmo maníaco, e a linha de baixo é especialmente viajante. Enquanto Guto voa em cima dos pratos e o teclado dá um clima rockabilly, o vocal berrado continua a destruir, literalmente. O primeiro solo do disco já dá uma mostra do que vem a seguir. Termina com a frase que abre, de maneira repentina e rápida.
Um piano soa ao longe, duma maneira que lembra um pouco Chopin, um pouco os duetos... quando a guitarra e o baixo anunciam o que há por vir, Cazuza entoa um blues melancólico. ''Down Em Mim'', obra de arte parcialmente baseada em ''Down on Me'', de Janis Joplin, tem um clima muito profundo de auto-destruição, com versos como ''da privada eu vou dar com a minha cara de panaca grudada no espelho/e me lembrar sorrindo que o banheiro é a igreja de todos os bêbados.'' Isso não te deixa pra baixo, mas transforma a depressão e a tristeza em fúria, fúria artística. Novo solo, dessa vez mais calmo, de rara beleza. O piano ainda solta seus últimos suspiros, e a canção se vai...
Um começo mais distorcido e menos pesado prepara ''Conto de Fadas'', com o teclado e a bateria com um destaque ainda não visto. E a letra não é menos devastadora, mas ainda assim sem abandonar as figuras poéticas e a linguagem figurada de Cazuza. É importante observar que apesar disso eles não se rendiam ao pedantismo de outros compositores; crítica mordaz à hipocrisia da classe média, com versos como ''princesinha dos cachos de mel/vai enfim calçar seu sapato/esquecido num bar'' e''papai e mamãe 'tão na sala/[...]/farejando/um futuro normal''. Como todas as outras, tem um solo, mas esse é maior, talvez mais bem trabalhado, que inicia com uma distorção e um som não vistos no Brasil desde os Mutantes.
''Billy Negão'' é rock and roll das antigas, com um riff grudento e cordas rápidas, com a bateria e o baixo em velocidade proporcional. A temática é de um personagem do submundo carioca que é preso por bater uma carteira, não por motivos violentos, mas apenas para pagar um pivô. Sarcástica, sim, mas a letra se prova uma maneira de contar história que poucos artistas souberam usar. A instrumentação é perfeita, com direito a mais um solo e algumas reviradas. Êxtase.
Cordas em lenta degradação introduzem uma viagem literal, essa sim quase psicodélica, num instrumental dos mais originais. Quando entra o vocal, percebemos uma verdadeira desilusão com o mundo, em mais uma narrativa de história. ''Certo Dia Na Cidade'' pode não ser a melhor música do álbum, mas tem seu valor mesmo quando comparada com as ditas obras-primas do Barão com quem compete. Sem falar da guitarra, essa realmente inspirada pelos anos setenta, num solo que não espantaria se tocado por Jimmy Page ou Ritchie Blackmore...
Vai aumentando gradativamente o riff, até entrar um teclado psicodélico na ode ao rock ''Rock 'N Geral'', com um ritmo que nos remete à década de 50. O solo agora fica também por conta das teclas, tudo na velocidade mais alta possível. Os versos são descompromissados, com até mesmo os ingleses ''hey mama can’t you hear my cry?/hey mãe, nunca me ouviu chorar?'' Termina com um orgasmo musical, quando todos os instrumentos perdem a força e param gradativamente.
Um riff antológico dá lugar a um acompanhamento de bateria, e entra o vocal novamente exaltando a boemia, nesse clássico rock bluesy que é ''Ponto Fraco'', com base nos versos "todo mundo tem um ponto fraco/você é o meu, e por que não?", mas isso não abandona o amor quase platônico presente na canção, como nos versos "benzinho eu ando pirado/rodando de bar/jogando conversa fora/só p’ra te ver/passando, gingando/me encarando e me enchendo de esperança", com uma descrição ciumenta que realmente não se vê até mesmo em muitos livros atuais, esses tão louvados pela mídia. Cazuza mostra definitivamente a que veio.
A bateria soa realmente meio oitentista, até se acelerar e a guitarra destruir e o vocal berrar "se você me encontrar assim/meio distante/torcendo cacho, roendo a mão/é que eu tô pensando num lugar melhor/ou eu tô amando/e isso é bem pior." "Por Aí" narra a desventura de mais um desiludido, não sem as interrupções repentinas da guitarra ou um solo distorcido. Não é a poesia mais linda do mundo, mas é sincera e devastadoramente realista.
Uma guitarra em tom que cresce e cai anuncia aquela canção que fez com que Caetano Veloso declarasse Cazuza "o maior poeta de sua geração". "Todo Amor Que Houver Nessa Vida" tem um tom melancólico, solos distantes, mas tudo, como todo o resto nesse disco, muito bem tocado. Porém, o destaque aqui é a letra, com versos apaixonados como "eu quero a sorte de um amor tranqüilo/com sabor de fruta mordida/nós, na batida, no embalo da rede/matando a sede na saliva". É um clássico barônico. Com o perdão da linguagem, é foda.
Aqui já não temos meramente um blues rock, mas sim um verdadeiro blues, acompanhado simplesmente do violão e backing vocals. "Bilhetinho Azul" é linda, suja, agressiva e poética, tudo ao mesmo tempo. Os versos são intimamente ligados, desde "hoje eu acordei com sono/sem vontade de acordar/o meu amor foi embora/e só deixou p’ra mim um bilhetinho/todo azul com seus garranchos" até "veio amor/como um abraço curto/p’ra não sufocar."
E acaba; Barão Vermelho, porém, era e continua sendo, mesmo com integrantes a mais e a menos - entre eles o próprio Cazuza – uma banda muito prolífica, o que nos deu de brinde mais dois discos com essa formação, ambos igualmente bons. Talvez não suceda surgir uma nova banda como o Barão na cena roqueira brasileira, mas, se não acontecer, não há necessidade para lamento: já tivemos uma trupe de cariocas cravando não apenas o seu nome no rock brasileiro, mas o do rock brasileiro na música mundial.
Marcadores: Resenhas
10 Comments:
Bilhetinho Azul é uma de minhas favoritas, enfim. Não tenho nada específico a falar porque não sou lá uma fã da banda, mas, enfim.
Barão Vermelho é chato demáááás!!
Concordo em partes com o anônimo acima aí, Barão tem suas músicas boas, mas tem músicas muito chatas também.
eu não gosto de barão, sei lá, a voz do frejat me irrita até as fuças, mas como nessa época é com o cazuza, sei lá, vai ver tem alguma coisa legal, mas sabe né, eu sou muito chata com essas bandas 80's brasileiras .---.
esse lay eu nao conhecia ainda
ta lindao
bjs
Barão Vermelho é muito bom! Sem dúvida umas das melhores bandas de rock do Brasil. Pra mim, só perde pra Legião Urbana.
E hoje em dia, o Frejat tá mandando bem pra caramba :B
ahh, Todo amor que houver nessa vida é linda *-*
a resenha é boa , a banda não .
Down em mim é a minha preferida desse disco. Sensacional esse disco. Eles estavam inspirados.
Só para corrigir. O Barão Vermelho foi um ás -- piloto de avião -- da Primeira Guerra. Tanto o alterego do Snoopy quanto o nome da banda fazem alusão a este personagem histórico.
fato, caro anônimo. mas os membros ficaram sabendo do barão vermelho por intermédio do personagem criado por charles m. schulz.
logo, é mais correto afirmar que, para eles, a origem do nome veio de uma tira de jornal.
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