Quando você define uma banda de som áspero e incansável como sendo um grupo movido a sangue, suor e Rock And Roll, há de se ter consciência que o sangue veio dos Stooges, com Iggy Pop literalmente dando sua hemoglobina em cima do palco com a ajuda de cacos de vidro e brigas com gangues; e uma outra banda de Detroit na mesma época que Iggy e seus patetas apresentavam ao mundo o sangue e a perversão sexual, mostrava como fazer rock saindo das glândulas sudoríparas; este eram os cinco da cidade do motor (famoso apelido de Detroit), os MC5.
De 1969, "Kick Out The Jams" é tradução literal de energia em estado bruto e de bate-estaca incessante e animalesco, com o vocalista Rob Tyner, os guitarristas Wayne Kramer e Fred "Sonic" Smith - estes, dois dos principais precursores da guitarra agressiva no Rock, e a cozinha do baixista Michael Davis e Dennis Thompson, o MC5 gravou seu primeiro registro ao vivo, captando toda sua potência e toda a exaltação que causavam no público. Empresariados por John Sinclair, um ativista político de esquerda que fundou o grupo White Panthers, que pregava a legalização da maconha e o amor livre sem tabus, como por exemplo, seu incentivo à prática de sexo na rua, algo apoiado pelo MC5. Foi o empesário um dos fatores que levou o MC5 a ser uma das primeiras bandas que ligaram rock à política, o que levou a banda a fugir várias vezes da polícia, devido ao fato de o governo de Richard Nixon estar nos seus dias de maior repressão e caça ao antiamericanismo.
Imagine você em frente a um palco na época, em um local cheio de gente com idéias modernas, com a polícia de Nixon rondando por perto, pronto para reagir caso qualquer mensagem de protesto fosse dita em público... E então entram nos palcos uns cabeludos que parecem nunca ter visto um pente na vida - principalmente pelo blackpower de Tyner, vestindo jaquetas de couro, jeans, ternos amassados, ou então deixando o torso nu... Cada um vai para sua respectiva posição, e numa bela atitude de "foda-se a repressão nixoniana", eles começam a mandar bala...
"Ramblin' Rose" abre o álbum ao som de gritos e palmas e Tyner cativando o público a se exaltarem e irem contra o sistema vigente e apresentando a banda. Logo entra um rockabilly acelerado e cheio de vigor, com Rob cantando em falsete enquanto a dupla de guitarras pega fogo. Na letra, vê-se uma crítica ao american-way-of-life. "Anéis de diamante/E um carro Cadillac/Rosa perambulante/Venha para casa".
Sem segredo, "Kick Out The Jams" é uma das músicas com mais energia em todos os tempos. Poucas músicas chegam perto. Ao clássico comando de Tyner, somos atingidos pelo clássico que qualquer banda de garagem que se preze já tocou. Uma música com peso e agressividade incomuns para os anos sessenta, em uma letra cantando sobre sexo e música, que mesmo com metáforas, está muito na cara. Porradaria intensa... Quem não se contagiar e começar a bater o pé, agitar a cabeça, contorcer o pescoço, sacudir o esqueleto, golpear o ar e movimentos afins... Está, provavelmente, com surdez.
"Come Together" não facilita muito as coisas... Praticamente emendada à anterior, porém um pouco mais lenta, é permeada por microfonia, vocais berrados, guitarras inflamadas e novamente uma letra fazendo apologia ao sexo, como os versos "nos deixe dançar a dança" e "juntos, sim, juntos na escuridão" deixam subentendido. Um convite a todos para dançar e botar os demônios para fora.
A próxima é "Rocket Reducer No. 62 (Rama Lama Fa Fa Fa)", introduzida com Rob anunciando o nome da canção e os instrumentos ameaçarem entrar , cheios de microfonia, para só então, depois de alguns segundos de quase-silêncio, entrar mais pancadaria insana, com o MC5 demonstrando ser uma banda de peso inédito e ousado para os hippimos dos anos '60, com mais uma letra que seria considerada imoral e pervertida... Atestam isso os versos "Eu sou o cara para você, baby", "Eu sou um apertador de bundas por natureza/E eu não me importo". Infernalmente àspera aos ouvidos de qualquer moralista. Uma explosão de energia para qualquer um que tenha ao menos um pouco de libido no sangue...
"Borderline" é mais rock dos anos 50 somado a blues e posto à velocidade da luz e distorcidos mais que o limite do aceitável. Rob Tyner não sabe se canta ou berra e o resto da banda realiza paradas instrumentais para logo retomar a velocidade. E na letra, o cara sente-se no limite por necessitar da garota. E a banda toda também toca no limite, com uma selvageria inimaginável, em anos onde, na grande mídia, o mais selvagem que existiam eram os Rolling Stones e suas leves insinuações sexuais.
Protestos pela voz do vocalista abrem a blueseira "Motor City Is Burning", um petardo distorcido e dançante, com uma letra inflamada, protestando contra Detroit, a guerra do Vietnã, a indústria belicista e a repressão do governo. Também há um viajante solo de guitarra, o momento mais leve da canção, mostrando que, além de ter uma das instrumentações mais agressivas para a época, também tinham um dos vocais mais rasgados e roucos da época.
É ouvida então "I Want You Right Now", com começos falsos que introduzem uma das melhores performances guitarreiras de Wayne e Sonic Smith, e provavelmente o vocal mais rouco do álbum. Menos protopunk e mais rock, onde se vê que eles não eram apenas animais selvagens nas guitarras - também sabiam transmitir uma musicalidade exuberante. Mesmo sendo mais lenta, o clima é muito intenso, a banda quase parando, Rob insistindo em cantar e gritos do público deixando o ouvinte contagiado, e Tyner começa a gemer como se estivesse excitado, ou talvez estivesse, isso é uma coisa que eu não sei... O título já dá uma boa idéia de como é a letra, presumo...
"Starship" é a maior da banda, beirando os oito minutos e meio, onde a banda mistura seu rock furioso às experimentações do Free Jazz, soando como se eles estivessem construindo a música enquanto a tocam. A letra não tem toda aquela perversão protopunk, é mais viajadona, psicodélica... Reverberações, microfonias e distorções que só os Stooges e o Velvet Underground além deles experimentavam na época, mais de vinte ou trinta anos antes que bandas experimentais como o Sonic Youth, Nirvana e outros começassem a trabalhar com tal conceito... Viagem ao canto mais pervertido, selvagem e confuso da sua cabeça...
Enfim... O que faz um disco como esse ser idolatrado? Acho que você já percebeu! Energia, visionarismo, coragem, hedonismo, aspereza, suor, velocidade, carisma... São algumas características como essa que ajudaram a escrever o nome MC5 nos anais do Rock, e cá entre nós, com muita justiça... Uma das perfeitas uniões de música agressiva e consciência política, antecedendo em décadas o hardcore, o Gang Of Four, o Rage Against The Machine, o System Of A Down, entre todas as outras bandas que levantaram a bandeira do protesto através de música elétrica, com amplificadores ligados lá nas alturas... Simplesmente imperdível. Um dos melhores registros para a época, e um dos melhores registros ao vivo que eu já ouvi. Isso que é saber fazer escola, tanto musicalmente quanto na postura das bandas de rock com falta de medo o suficiente para entrar em conflito com os valores pré-estabelecidos... O quê? Você ainda não ouviu? Pois baixe, compre, peça emprestado do seu amigo viciado em rock e nunca devolva... pois, right now, it's time to...
...KICK OUT THE JAMS, MOTHERFUCKERS!
Marcadores: Resenhas
7 Comments:
ouvi muito pouco, mas realmente é FODA.
Clássico.
MC5...
falam tanto dessa banda,
e eu só conheço algumas músicas.
vou baixar esse álbum
pra conferir
:)
bjs
Carajo!
Este disco é simplesmente perfeito. Não, sem brincadeira, é PERFEITO!!!
Eu até fiz um comentário sobre eles em www.fotolog.net/lulled
Nota 10 para este disco, sem pensar duas vezes.
Abraço,
Luis
luismilanese.wordpress.com
panteras braaaaaaaaaaaaaaaaaancas
MC5 É MUITO FODA!
SÃO POUQÍSSIMAS BANDAS HOJE Q TÊM A MESMA ENERGIA E FÚRIA DELES.
cara, não sei porque até hoje ainda não baixei coisas do mc5...
mas vou baixar!
e bêr, como sempre, arrasando nas resenhas!
Postar um comentário
<< Home