Controversa, esta década de oitenta. Quando o Rock já havia sido iniciado em tudo quanto é atividade subversiva e experimentado mil e uma explosões e revoluções, ele experimentou o desdobramento em mil e uma ramificações. O rock pesado dos anos setenta se desmembrou no heavy metal e seus subgêneros e no hard rock comercial e cheio de pose, pejorativa e popularmente conhecido por "farofa" ou "hair metal". O punk rock mostrou uma faceta mais pop, na acessível e massificada new wave e outras mais marginais e extremas, como o Street Punk/Oi! e o Hardcore. Nos subterrâneos, bandas noise e shoegazer começavam a arquitetar uma revolução de ruídos que só viria a explodir na próxima década.
E, nos últimos anos da década de setenta, surgiria na Inglaterra uma das bandas-ícone dessa década tão diversa e caótica. Quando o americano Stewart Copeland viajou para Londres junto com sua família para concluir seus estudos e para servir de roadie das bandas que seus dois irmãos mais velhos empresariavam e gerenciavam, começou a se interessar por rock and roll, aprendeu bateria e durante algum tempo obteve relativo reconhecimento com a banda Curved Air. Mais tarde, conheceu o baixista com experiência em jazz e também vocalista Gordon Summer, que em um show havia sofrido um imprevisto de uma abelha ter entrado em suas calças e o mesmo ter ficado desesperado para tirá-la de lá, ganhando entre seus amigos o apelido que mais tarde viria ser seu nome artístico, Sting ("ferroada", em inglês).
Então, juntaram-se com Henry Padovani, um guitarrista bem básico, com influência do punk rock, o que para época era perfeito para atingir certo sucesso comercial. Começaram então a ser banda de apoio de Cherry Vanilla, abrindo os shows do lendário Johnny Thunders. Após esse breve período, entraria o guitarrista veterano Andy Summers, que integrou a última formação do The Animals de Eric Burdon e foi um dos nomes mais bem-cotados para substituir Mick Taylor nos Rolling Stones. Como ficava claro a superioridade técnica de Andy sobre Henry, o segundo acabou sendo dispensado da banda. Surgia então o The Police.
Em 1977, a banda cortou e pintou os cabelos de loiro para participar de um comercial de goma de mascar. Tal visual tornou-se uma das marcas maiores da banda, o que fez com que no início o Police fosse constantemente associado ao movimento punk. No final deste ano, tentaram gravar produzidos por John Cale (sim, aquele do Velvet Underground), mas desentendimentos entre grupo e produtor acabaram fazendo com que a banda optasse por Nigel Grey, que já havia trabalhado com bandas como Wishbone Ash, logo após terem assinado com a gravadora A&M.
E o resultado disso tudo está no primeiro disco, "Outlandos d'Amour", de 1978. Uma grande realização do chamado bom gosto; ao contrário do que tantos contemporâneos viriam a ser, o som do The Police não se resumia a um único ritmo ou variações da mesma melodia - o disco conseguia ser cru e direto pelo lado punk, moderno e de fácil digestão quando a new wave transparecia, sofrida e atraentemente romântico quando o pop tomava conta, e simples, econômico e sem muitos malabarismos instrumentais em sua faceta reggae, o que tornava o Police um dos primeiros grupos de origem punk ao lado do The Clash a investir no som jamaicano.
O disco começa com muita garra e pegada em "Next To You", onde Stewart acerta a mão com vontade na bateria e os riffs de guitarra são ferozmente disparados para que Sting possa utilizar vocais em tons rasgados, até ingressar em um refrão melódico e mais cadenciado que o resto da música, onde o vocalista canta "O que posso fazer?/Tudo o que quero é estar perto de você", em uma letra sobre um amor à distância, em que tudo que o eu lírico quer fazer e sair de onde mora para ir encontrar a garota, falando que já vendeu a casa e o carro, e com prazer assaltaria um banco ou sequestraria um avião. E temos a velha lírica apelativa e agradável do pop apaixonado: "Eu tive mil garotas ou talvez mais/Mas nunca me senti assim antes/Eu não sei o que tomou conta de mim".
"So Lonely", vinda na sequência, vem para mostrar o pioneirismo reggae do The Police, com um baixo muito bem evidenciado e guitarras que ora entram na onda jamaicana, ora destilam melodias melancólicas. A bateria segura de Copeland vai tranquilamente da cadência dos versos até o ganho de velocidade no refrão. Um solo de guitarra incrível de Andy abre espaço para que Sting continue cantando que se sente solitário, das linhas melódicas até berros insolentemente punks que dão uma charme a mais na música.
E aqui ouvimos um dos primeiros clássicos absolutos da banda, que entraram para a história da música pop dos últimos anos: "Roxanne", balada de andamento reggae em que sofridamente Sting conta a sua paixão por uma prostituta; impressionam ainda a força de versos como "Você não tem que vender seu corpo para a noite/Roxanne/Você não tem que vestir este vestido hoje à noite/Andar nas ruas por dinheiro/Você não liga se isto é errado ou se isto é certo". Um dos clássicos do pop mais sofridos já compostos, em que nem o refrão mais veloz e elétrico salva da melancolia. Outro destaque é para a interpretação que Sting imprime na canção, que mesmo não sendo um virtuose, vai desde lamúrios de um solitário bêbado em um quarto a gritos indignados de um ciumento.
Começando em uma melodia agradável e acessível abrindo espaço para Sting cantar que sua vida está vazia, esta é "Hole In My Life", com grooves suculentos e harmonias vocais do refrão muito bem postas. "Há algo faltando em minha vida/Que me corta como uma faca/Deixa-me vulnerável/Eu tenho essa doença", diz a letra. Passeando tranquila e desavergonhadamente entre todos os estilos dominados pelo grupo, essa cadenciada música, ainda que não seja um clássico, deixa o ouvinte apto a continuar ouvindo a obra.
"Peanuts" volta com a garra rocker, com guitarras oscilando entre punk e new wave, e uma cozinha forte e pulsante, com Sting cantando "Isso tudo é um jogo/Você não é mais o mesmo/Seu nome famoso/O preço da fama" entre outras críticas sobre o mundo do show business, em seu mundo de gente perfeita, erros cobertos e disfarçados, onde tudo que vale é a imagem. A canção ainda inclui uma passagem mais viajante, muito provavelmente influenciada pelo passado jazz do vocalista e baixista.
Outro clássico, primeira música da banda a ficar entre as dez mais da Inglaterra, na segunda posição. Alternando entre andamentos e um maravilhoso refrão punk-pop, essa é "Can't Stand Losing You". Novamente o tema da paixão é abordado, onde Sting relata que não é capaz de lidar com a dor da perda. Ele diz que nada mais tem o menor interesse para ele, e diz que ela vai sentir muito quando ele estiver morto. "Acho que você chamaria isso de suicídio/Mas estou cheio demais/Para engolir meu orgulho/Eu não,eu não/Eu não suporto perder você".
"Trut Hits Everybody" não dá descanso, voltando a caprichar em uma música agitada, com guitarras certeiras e uma bateria de pegada matadora. Em meio a coros vocálicos muito bem postos, Sting avisa que, por mais que tentems fugir, "a verdade acerta todo mundo/a verdade acerta qualquer um". E mesmo com a forte letra, serve para tocar em qualquer festa.
A próxima, "Born In The 50's", entra com o ritmo sendo ditado por Copeland, e com o vocalista cantando uma das letras mais políticas da carreira da banda, de forma rasgada e intensa, indo desde a ferocidade punk de versos como "eles nos jogariam as bombas/enquanto nós estávamos fazendo amor na praia?/nós somos a classe que eles não conseguiram ensinar/porque nós sabemos mais" até o ironicamente marcial refrão "Nós fomos nascidos/Nascidos nos anos 50/Nascidos, nascidos nos anos 50".
"Be My Girl - Sally" traz de volta a introspecção que marcou a carreira do The Police, em ritmo mais cadenciado, leve e suave, onde a guitarra distorcida não interfere nem nas doces harmonias vocais, sem contar um inesperado trecho em que Andy Summers narra uma bem humorada história acompanhado por pianos, em que o eu-lírico realmente faz a garota dele a qualquer custo. As guitarras vão voltando aos poquinhos, até que o rock volta cheio de energia para que Sting continue cantando "Você não vai ser a minha garota?".
E fechando o disco, temos "Masoko Tanga", que volta com o reggae em uma música quase instrumental, onde ouve-se uma voz cantando em dialeto caribenho, porém a mesma é encoberta pelos instrumentos, que ganham volume e intensidade cada vez maiores.
E acaba o primeiro disco, que seria o início da saga do The Police como um dos maiores símbolos da musica oitentista. E mesmo após tantos plágios, cópias e citações, o som da original ainda continua sendo um marco influente - o rock brasileiro de vinte anos atrás que o diga. E que fique também registrada a prova definitiva que o pop nem sempre precisa ser efêmero, pois vinte anos depois, o retorno oficial do Police atrai milhares de pessoas a seus shows ao redor do globo. E ainda bem, pois poucos souberam transmitir revolta, indignação e amor e continuar sendo deslavada e exuberantemente pop. Tudo bem que o rock é contra o sistema, mas só desta vez, um viva para os polícia!
Marcadores: Resenhas
6 Comments:
Nem li, só comento porque é THE POLICE.
Police é muito foda, e muito melhor do que muita gente acha.
a resenha ficou boa, deu até vontade de ouvir.
mas sei lá, não consigo... talvez eu tente depois disso tudo.
Vieram pr'a cá, vieram pr'a cá!
eu nunca ouvi muito the police. só conheço as mais famoseenhas :B
mas fiquei com vontade de ouvir agora :D
ah police não me convence, beijos.
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