Brasil, 1969. A repressão da ditadura em nada ajudava a controlar a efervescência cultural pela qual passava o país. Para o mundo, o Brasil surgia como uma potência cultural interessantíssima, em todas as artes possíveis. Os artistas eram brasileiríssimos, e ainda assim, tinham uma acessibilidade inegável. A vibração diferente, as cores fortes, os ritmos envolventes, as letras, poemas, textos, crônicas e romances... Tudo muito forte, tudo muito subversivo, urgente, e principalmente, vivo. Eram os contestadores tempos da Tropicália, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Raul Seixas, Chico Buarque, Elis Regina, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha...
E entre tantos ícones, veio uma turma arretada da Bahia. Esse pessoal porreta atendia pelo nome de Novos Baianos, muito prazer, que influenciados pela contracultura e pelo pessoal tropicalista, se reuniu pela primeira vez em Salvador no ano que abre o texto, e se apresentou no espetáculo "Desembarque dos Bichos e Depois do Dilúvio". Também se inscreveram para o quinto festival de Música Popular Brasileira. E cá entre nós: não há jeito melhor de definir o trabalho dos Baianos. Samba, choro e rock pesado se encontravam em uma música muito agitada e bem-humorada, como se Jimi Hendrix tivesse nascido em Salvador e não em Seattle, e fosse discípulo número um de João Gilberto, e com aquele sotaque tão característico e marcante do povo baiano. Refletia o próprio estado de vida em que os mesmos viviam: isolados em uma casa de campo no Rio de Janeiro (para onde eram mandados todos os artistas nordestinos, em verdadeira "migração cultural"), jogando futebol, tocando, tendo experiências alucinógenas, vivendo de dieta macrobiótica, em total encontro com natureza, amor livre e misticismo. Uma mistura consistente, que só poderia dar no que deu.
A numerosa formação original consistia de Luís Galvão (letrista), Moraes Moreira (vocal e violão), Paulinho Boca de Cantor (vocal e pandeiro), Baby Consuelo (vocal e percussão), hoje Baby do Brasil, Pepeu Gomes (guitarra, viola, violão e bandolim), Dadi (baixo e violão), Jorginho (bateria, guitarra, cavaquinho, uculelê e bongô), Baixinho (bateria e bumbo) e Bolacha (bongô e percussão), que em 1972 liberaram seu segundo disco que também é seu álbum mais clássico: "Acabou Chorare". Um daqueles álbuns de importância histórica inegável que pode aparecer tranquilamente em qualquer lista dos álbuns mais importantes, inovadores e influentes da história da música contemporânea. Hoje em dia todo mundo presta reverência: Orquestra Imperial, +2, Tribalistas, Vanessa da Mata, Céu, Roberta Sá, Mariana Aydar, Marisa Monte em carreira solo, Devendra Banhart... Uma infinidade de gente.
Primeiro, cordas intimistas começam a prender a sua atenção... "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor!", canta Baby. "O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada/Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato...", e aí o o ouvinte identifica: está ouvindo um dos grandes clássicos dos Baianos, "Brasil Pandeiro". A sessão de cordas entra em polvorosa ao decorrer da canção, até que explode junto com a percussão no refrão "Brasil/Esquentai vossos pandeiros/Iluminai os terreiros/Que nós queremos sambar!". Forte, bonita, mágica, uma sonoridade que parece atual até os dias de hoje.
O clássico-mor "Preta Pretinha" entra com um violão doce e belo, abrindo oportunidade para Paulinho Boca de Cantor fazer jus ao apelido e destilar todo seu sotaque e carisma. "Só, só, somente só/Assim vou lhe chamar/Assim você vai ser", canta o melódico e apaixonado refrão. A música vai ganhando intensidade e riqueza em perfeitos quase sete minutos. "Abre a porta e a janela, e vem ver o sol nascer", convida Paulinho junto com toda a banda cantando a plenos pulmões.
Agora é hora de Pepeu Gomes e Baby Consuelo detonarem! "Tinindo Trincando" é introduzida pela guitarra estilo Jimi-Hendrix-baiano, Baby canta rápida sob um ritmo pesado com uma percussão muito rica versos como "Por que quem invade/Não chega não/Chega não, porque pera aí/Sou mesmo assim!". E os choristas incendeiam suas guitarras, e os rockers sentem os tropicais ventos atingirem suas rebeldes faces.
"Minha carne é de carnaval/Meu coração é igual", é assim que Paulinho inicia "Swing de Campo Grande", com um dos refrões mais divertidos da bolacha, e uma das sessões de cordas mais hipnotizantes, isso, claro, sem esquecer da sessão percussiva explodindo brasileirissimamente aos ouvidos. "Olha aqui, eu não marco toca/Eu viro toca/Eu viro moita", cantam todos, convidando os ouvintes a cantarem, maravilhados.
"Acabou Chorare", a faixa-título, tem uma curiosa origem: apesar de brasileira, Baby Consuelo passou parte da infância no México, que lhe deu o costume pueril de falar um híbrido de espanhol e português. A expressão em questão surgiu quando a jovem Baby caiu feio no chão, abriu o maior berreiro, e quando a família veio ver o que era, passou a gritar: "Acabou chorare!" ((dizem também que foi criada pela filha de João Gilberto, enquanto João e Moraes ensaiavam - ela teria caído, chorado e sido consolada pelo pai, e a certo ponto, dito a tal expressão - vai saber). Acompanhando as cordas onomatopeicamente, em clima quase infantil mesmo, Paulinho conta a poética visita que recebeu de uma abelha. "Acabou chorare, ficou tudo lindo...", "Abelha, abelhinha/escondido faz bonito/Faz zumzum e mel"... Singela e leve demais para ser descrita com palavras.
Algumas das melodias mais marcantes estão contidas em "Mistério do Planeta". Em uma letra um tanto quanto metafórica e misteriosa, o Boca de Cantor versa sobre sua participação na sociedade, no planeta, no universo: sendo o mistério tanto no passado, quanto no presente, mas independente disso, apenas um malandro, um moleque do Brasil. O baixo de Dadi dá todo um charme à coisa toda, deixando-nos nos trilhos para ouvir um solo totalmente psicodélico de Pepeu, que encerra a canção.
"A Menina Dança", já regravada por Marisa Monte, vem com Baby Consuelo deliciando os ouvintes com seu sotaque forte e contagiante, que dá cores tropical à música. "Quando eu cheguei tudo, tudo/Tudo estava virado/Apenas viro me viro/Mas eu mesma viro os olhinhos", canta ela cheia de graça. Guitarras, violões e pandeiros proporcionam uma viagem única. Dançante na letra e na música, com aquela vibração que só os brasileiros têm.
Isso aqui é Brasil na veia e saindo pelas caixas de som: "Besta é Tu". Sinta-se golpeado manhosamente pelo pandeiro, saia sambando sozinho pelo recinto, junto com um empolgado Paulinho discutindo a razão da necessidade de viver, além da história paralela em que ele conquista uma morena - "Mas isso é só porque ela se derrete toda/Só porque eu sou baiano"... Discurso vazio? Falta de profundidade? Bichim... "Besta é tu, besta é tu, besta é tu!"
"Um Bilhete Para Didi" é uma deliciosa instrumental nordestíssima - deixe-se levar pela parede de percussão, o cavaquinho de Jorginho, as guitarras ácidas de Pepeu e Dadi novamente arrepiando no baixo, fazendo ele soar cru, seco e delicioso. Remetente sortudo: imagine receber um bilhete tocando uma música tão criativa?
E encerrando... Ela volta! "Preta Pretinha II", reduzida aos três minutos, onde Paulinho já vem chamando sua nêga desde o início, enquanto a percussão acompanha e novamente transcorre novamente aquela clássica, apaixonada e regional letra. "Sou um pássaro que vive avoando/Avoando sem nunca mais parar/Ai, ai, Ai, ai, Saudade/Não venha me matar", fecham o Boca de Cantor, Consuelo, Moraes e todos os outros, inspiradíssimos.
Um dos grupos mais diferentes e originais surgidos em terra brasilis, em que poucos ficam em pé de igualdade. Um som tão rico, tão cheio de detalhes, e tão simples. Uma alma tupiniquim apaixonada pela sua terra que tem palmeiras onde canta o sabiá - sem discussões teológico-filosófico-político-existenciais profundas, isso aqui é puro Brasil, e só.
Primeiro, cordas intimistas começam a prender a sua atenção... "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor!", canta Baby. "O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada/Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato...", e aí o o ouvinte identifica: está ouvindo um dos grandes clássicos dos Baianos, "Brasil Pandeiro". A sessão de cordas entra em polvorosa ao decorrer da canção, até que explode junto com a percussão no refrão "Brasil/Esquentai vossos pandeiros/Iluminai os terreiros/Que nós queremos sambar!". Forte, bonita, mágica, uma sonoridade que parece atual até os dias de hoje.
O clássico-mor "Preta Pretinha" entra com um violão doce e belo, abrindo oportunidade para Paulinho Boca de Cantor fazer jus ao apelido e destilar todo seu sotaque e carisma. "Só, só, somente só/Assim vou lhe chamar/Assim você vai ser", canta o melódico e apaixonado refrão. A música vai ganhando intensidade e riqueza em perfeitos quase sete minutos. "Abre a porta e a janela, e vem ver o sol nascer", convida Paulinho junto com toda a banda cantando a plenos pulmões.
Agora é hora de Pepeu Gomes e Baby Consuelo detonarem! "Tinindo Trincando" é introduzida pela guitarra estilo Jimi-Hendrix-baiano, Baby canta rápida sob um ritmo pesado com uma percussão muito rica versos como "Por que quem invade/Não chega não/Chega não, porque pera aí/Sou mesmo assim!". E os choristas incendeiam suas guitarras, e os rockers sentem os tropicais ventos atingirem suas rebeldes faces.
"Minha carne é de carnaval/Meu coração é igual", é assim que Paulinho inicia "Swing de Campo Grande", com um dos refrões mais divertidos da bolacha, e uma das sessões de cordas mais hipnotizantes, isso, claro, sem esquecer da sessão percussiva explodindo brasileirissimamente aos ouvidos. "Olha aqui, eu não marco toca/Eu viro toca/Eu viro moita", cantam todos, convidando os ouvintes a cantarem, maravilhados.
"Acabou Chorare", a faixa-título, tem uma curiosa origem: apesar de brasileira, Baby Consuelo passou parte da infância no México, que lhe deu o costume pueril de falar um híbrido de espanhol e português. A expressão em questão surgiu quando a jovem Baby caiu feio no chão, abriu o maior berreiro, e quando a família veio ver o que era, passou a gritar: "Acabou chorare!" ((dizem também que foi criada pela filha de João Gilberto, enquanto João e Moraes ensaiavam - ela teria caído, chorado e sido consolada pelo pai, e a certo ponto, dito a tal expressão - vai saber). Acompanhando as cordas onomatopeicamente, em clima quase infantil mesmo, Paulinho conta a poética visita que recebeu de uma abelha. "Acabou chorare, ficou tudo lindo...", "Abelha, abelhinha/escondido faz bonito/Faz zumzum e mel"... Singela e leve demais para ser descrita com palavras.
Algumas das melodias mais marcantes estão contidas em "Mistério do Planeta". Em uma letra um tanto quanto metafórica e misteriosa, o Boca de Cantor versa sobre sua participação na sociedade, no planeta, no universo: sendo o mistério tanto no passado, quanto no presente, mas independente disso, apenas um malandro, um moleque do Brasil. O baixo de Dadi dá todo um charme à coisa toda, deixando-nos nos trilhos para ouvir um solo totalmente psicodélico de Pepeu, que encerra a canção.
"A Menina Dança", já regravada por Marisa Monte, vem com Baby Consuelo deliciando os ouvintes com seu sotaque forte e contagiante, que dá cores tropical à música. "Quando eu cheguei tudo, tudo/Tudo estava virado/Apenas viro me viro/Mas eu mesma viro os olhinhos", canta ela cheia de graça. Guitarras, violões e pandeiros proporcionam uma viagem única. Dançante na letra e na música, com aquela vibração que só os brasileiros têm.
Isso aqui é Brasil na veia e saindo pelas caixas de som: "Besta é Tu". Sinta-se golpeado manhosamente pelo pandeiro, saia sambando sozinho pelo recinto, junto com um empolgado Paulinho discutindo a razão da necessidade de viver, além da história paralela em que ele conquista uma morena - "Mas isso é só porque ela se derrete toda/Só porque eu sou baiano"... Discurso vazio? Falta de profundidade? Bichim... "Besta é tu, besta é tu, besta é tu!"
"Um Bilhete Para Didi" é uma deliciosa instrumental nordestíssima - deixe-se levar pela parede de percussão, o cavaquinho de Jorginho, as guitarras ácidas de Pepeu e Dadi novamente arrepiando no baixo, fazendo ele soar cru, seco e delicioso. Remetente sortudo: imagine receber um bilhete tocando uma música tão criativa?
E encerrando... Ela volta! "Preta Pretinha II", reduzida aos três minutos, onde Paulinho já vem chamando sua nêga desde o início, enquanto a percussão acompanha e novamente transcorre novamente aquela clássica, apaixonada e regional letra. "Sou um pássaro que vive avoando/Avoando sem nunca mais parar/Ai, ai, Ai, ai, Saudade/Não venha me matar", fecham o Boca de Cantor, Consuelo, Moraes e todos os outros, inspiradíssimos.
Um dos grupos mais diferentes e originais surgidos em terra brasilis, em que poucos ficam em pé de igualdade. Um som tão rico, tão cheio de detalhes, e tão simples. Uma alma tupiniquim apaixonada pela sua terra que tem palmeiras onde canta o sabiá - sem discussões teológico-filosófico-político-existenciais profundas, isso aqui é puro Brasil, e só.
Só, só, somente só.
Marcadores: Resenhas
6 Comments:
olha aê olha aêe... quem tá tomando espaço no meio desse mundo rock'n roll!
ah, eu ouvi uma vez só esse disco. foi numa loja de cd daqui da cidade... fui comprar um cd de presente, e tava tocando esse disco. só que eu não conhecia, e fui perguntar pro vendedor que diabos era aquilo. aí o cara ficou uma hora falando sobre a banda uauha, e acabei ouvindo o cd todo na loja :D
Acabou Chorare é um disco MUITO FODA! Novos Baianos foi um dos maiores grupos daqui do Brasil, e isso me lembra que o Pepeu Gomes foi convidado para tocar no Megadeth ahueaehauahuah.
Por mais que muita gente considere Tropicália e afins como músicas bem odaras e retardadinhas, mas dou mó valor. Devo conhecer o disco todo, mas só conheço algumas de nome. Brasil Pandeiro é a música. Me faz chorar. =*
Olá!
Gostava que o meu site fosse afiliado do vosso.
Estão interessados?
(Basta eu colocar-vos nos links e vocês porem o meu site nos vossos)
*
www.4taste4ever.cjb.net
Na verdade é o Moraes que canta na maoria do disco. O Paulinho só cantou Brasil Pandeiro, Swing De Campo Grande e Mistério do Planeta. Claro que as vozes dos 2 eram exatamente idênticas!
ahuhua
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