Trocando em miúdos: Jeff Buckley foi um caso raro na história do Rock And Roll. Tal como uma chama, brilhou por um breve tempo e então apagou. Sem querer forçar a barra, mas era dor transcendendo a música, eram tantas emoções guardadas que pareciam não caber nos acordes ou nos emocionados cantos e gritos.
Nascido na Califórnia e filho do músico de folk-jazz Tim Buckley, Jeff cresceu até os oito anos sendo chamado de Scotty Moorhead, nome que foi dado pela sua mãe e seu padrasto. Quando alcançou a idade em questão, a mãe o levou para ver um show de Tim, e acabou passando uma semana com o pai. Quando voltou, queria ser tratado como Jeff Buckley. Pouco após essa semana, o homem que deu vida a Jeff morria de overdose de heroína. Além de ter muito do pai, o garoto também aprendeu música com a mãe, pianista e violoncelista e começou a despertar curiosidade pelo Rock com seu padrasto, fã declarado de Led Zeppelin, Jimi Hendrix e The Who. Adolescente, apaixonou-se pelo álbum "Physical Graffiti" do Led Zeppelin e discos do Van Morrison, Janis Joplin, MC5 e The Smiths, pegou para si uma guitarra acústica da avó e pouco após ganhou uma Gibson Les Paul de sua mãe. Aos dezoito, ingressa num curso de dois anos numa instituição de músicos. Apesar de considerar o curso uma perda de tempo, nesse período conheceu e tornou-se fã de ícones musicais como Leonard Cohen, Nusrat Fateh Ali Khan e Edith Piaf.
Apesar da semelhança física e um nível de talento proporcional ao do pai, Jeff não queria ser uma continuação da história de seu pai. Não queria ser um mártir do Rock And Roll. Queria apenas ser lembrado por sua música. Ironicamente, começou a chamar a atenção num show-tributo dedicado ao pai, que tocou junto com Gary Lucas, que já tinha tocado com a banda Captain Beefheart. Após alguns ensaios, Gary o convidou para integrar sua banda Gods And Monsters como vocalista. Apesar de ter adorado a idéia, pouco tempo depois Jeff deixava o grupo para seguir carreira solo. Reiniciou do zero no ano seguinte em New York em um bar chamado Sin-é. Munido de voz e guitarra, as performances dele eram tão arrebatadoras que no mesmo ano de 1992, assinava com a Columbia Records.
O resultado foi seu primeiro e último álbum, "Grace". Uma obra prima com todas as letras, do início ao fim, sem tirar nem pôr. Poucas vezes a alma de uma pessoa, todas as suas imperfeições,tristezas e anseios, esteve tão exposta em apenas um disco. Jeffrey exalava suas influências por todos os poros - folk, rythm and blues, soul music, hard rock, compondo um disco completo e variadíssimo, com letras fortes e pessoais, assim como nos bons e setentistas tempos de Neil Young e Nick Drake. Acompanhando Jeff, estavam os músicos Mick Grondahl no baixo, Mat Johnson na bateria e Michael Tige na segunda guitarra.
"Mojo Pin" é iniciada por dedilhados lentos, uma marcação sutil do baixo, e Jeff rompendo em um falsete. Começando a cantar em um tom doce, a música vai crescendo junto com a sua voz. A guitarra cresce, a bateria imprime maior ritmo na cançao, e Buckley canta sobre um amor doído, que se retornasse, ele não precisaria arranjar outras distrações para tentar satisfazê-lo. "Eu não quero chorar por você/Eu não quero saber, eu estou cego e torturado/Os cavalos brancos cavalgam/As memórias pegam fogo, o ritmo cai devagar...". Se aproximando do final, a música explode em intensidade, a bateria marcha, as guitarras pesam, e Jeff grita de uma forma inacreditável mais de uma vez. Um daqueles gritos tão agonizantes e desesperados que da primeira vez deixam o ouvinte perplexo.
Com início intimista e uma bateria entrando como um trovão, a música título "Grace" reparte melodias lindíssimas e a voz no limite do vocalista, cantando os versos de forma tensa para descambar em um doce e irônico refrão que diz para esperar no fogo. E você não consegue deixar de prestar atenção na música. É tudo forte demais. Jeff canta sobre o que artistas compõem poucas vezes na vida - a morte. "E eu sinto chamarem meu nome/Tão fácil de saber e esquecer com esse beijo/Eu não tenho medo de ir, mas vou tão devagar...", canta com toda a força dos pulmões.
"Last Goodbye", entrando em compassos lentos e acordes corajosos, é guiada pela levada de bateria, que abre espaço para Jeff emitir um triste trado sobre o fim de um relacionamento. "Sim, esse é o nosso último abraço/Devo eu sonhar e ver sempre o seu rosto?/Por que a gente não consegue ultrapassar esse muro?/Bem, talvez seja por que eu nunca te conheci mesmo", expressa um dos versos mais fortes. A música então já se tornou de beleza dura e peso doído. E falsetes e acordes de piano denunciam que tudo acabou.
Jeff te empurra no sofá cantando desde o início a jazzy "Lilac Wine", standart famoso na voz de Nina Simone que Buckley fez questão de dar sua versão dos fatos. Um doce e polido diamante musical sobre um amor inebriante feito vinho. Ele clama pelo seu amor, querendo encontrá-lo de qualquer jeito. Em certos momentos, Jeff faz tremer nas bases. Especialmente no final capaz de rachar o mais duro coração de pedra, "Vinho lilás, eu não me sinto pronto para o seu amor...".
"So Real" com cordas contidas e em tom de alerta, é uma música sobre o medo que as pessoas têm de amar. Apesar de afirmar que todos os momentos que passou com a pessoa que ama foram reais demais para ele, afirma "Eu te amo, mas eu tenho medo te amar/Eu tenho medo de te amar". Assim como nas duas músicas anteriores, as barreiras que as pessoas não conseguem romper para conseguir encontrar a felicidade real. Um solo de guitarra distorcido destoando do resto da música soa como a maior das insatisfações sendo posta pra fora em notas vigorosas e revoltadas.
Entra então uma música que é impossível ficar imparcial ao escrever sobre. "Hallelujah", regravação de seu ídolo Leonard Cohen, é um desafio para a capacidade descritiva de qualquer um. Iniciada por tristes melodias e um baixo ressoando, é simplesmente música demais para ser transformada em verbo. A devoção e o abandono com que Jeff Buckley se entrega ao tema é de chocar. De chocar com tanta doçura, com tanta tristeza, e a voz de Buckley soando cada vez mais e mais forte, mas sem nunca perder a beleza, opondo o sagrado e o humano, descrevendo um amor destrutivo, em versos como "O amor não é uma marcha de vitória/É um frio e sofrido Aleluia" e "Talvez haja um Deus lá em cima/E tudo que eu já aprendi sobre o amor/Era como atirar em alguém que tirou você". De ficar com os olhos marejados não importa quantas vezes escutemos: sempre continuará uma das canções mais lindas e melancólicas já compostas.
"Lover, You Should've Come Over" tem um início soturno, que logo se transforma em uma canção cadenciada de mais de seis minutos. Novamente volta o tema de um amor que consome o eu-lírico totalmente, deixando-o consumir, deixando ele solitário e obsessivo, em busca de uma chance de redenção. De início simples, a música vai crescendo em todos os quesitos, mas principalmente na interpretação de Jeff, que só para variar, arrasa, dizendo que nunca é tarde para voltar atrás, e sentimos todo o cansaço de se levar uma vida como essa exposto em sua voz lamentada e seus falsetes lancinantes.
A terceira regravação é "Corpus Christi Carol" de Benjamin Britten que, em termos técnicos, talvez seja a melhor performance vocal de Buckley. Cantando quase como uma soprano, alcançando um clima quase religioso, de deixar em transe. Apenas voz e cordas compondo a música mais curta da bolacha. Uma pueril admiração pela casta personagem do título, acompanhado de um refrão onomatopéico.
"Eternal Life" era o que mais podia se aproximar do mercado da época, já que Jeff não era pesado o suficiente para as rádios rock e era alternativo demais para mídias mais pop. A canção é um hard rock inserido na sonoridade dos anos noventa, fazendo soar quase como um grunge, com suas guitarras pesadas e sua cozinha sempre impondo um ritmo intenso na canção. Na canção, Buckley vê tudo corrompido e anseia por salvação, que para ele, nada mais é aceitar que a vida é assim e temos que aprender a lidar com ela, por mais difícil que isso seja. Como diz com urgência no verso "Não há tempo para ódio, apenas para questionar/O que é o amor?/Onde está a felicidade?/O que é uma vida?/Onde está a paz?/Quando eu vou encontrar a força para me trazer alívio?". E no final, a canção volta a ganhar belas melodias acompanhando seu ritmo pesado. Um dos grandes talentos de Jeff: saber encontrar beleza até mesmo na agressividade.
E, encerrando, "Dream Brother" vem em cordas hipnóticas, uma das mais intimistas de todo o conjunto, com uma pegada forte de bateria, um refrão chamativo e momentos instrumentais simplesmente viajantes, e Jeff sonha que ele só quer sentir-se seguro nos braços da pessoa, enquanto a mesma está com outro. Mas o mundo continuará girando para sempre, diz Buckley, e pelo jeito, não há mais nada a se fazer.
Jeff vendeu cerca de 300.000 cópias deste disco, algo que as gravadoras consideraram uma repercussão muito fraca, apesar do nome do cantor estar cada vez mais em voga. Fato este que o desagradou e o fez voltar ao formato de voz e guitarra e tocar para pequenas platéias de bares americanos. Underground e mainstream: o Hamletismo dos anos noventa que ergueu tantos, derrubou tantos outros, e fez com que tantos nomes como este que vos é apresentado não ganhasse maior reconhecimento.
Morto em 29 de maio de 1997 por afogamento, Jeff só confirmou a teoria da chama. Muitas pessoas questionam até hoje porque o mundo é tão injusto de nos tirar um cantor tão único assim. Tão individual, tão universal, tão sensível... Que sabia falar sobre morte, amor, vida, tristeza, sem cair no clichê. Apenas sendo honesto. Buckley angariou uma legião de fãs famosos, entre eles lendas do rock como Bob Dylan, Robert Plant, Jimmy Page, Lou Reed, David Bowie e Patti Smith, contemporâneos como Chris Cornell, Björk e PJ Harvey, fãs exóticos como a banda de Doom Metal Katatonia e o ícone do rock brasileiro Paulinho Moska, e influenciou nomes como Radiohead, Muse e Coldplay.
E o leitor me pergunta: é possível que alguém seja assim tão bom? É possível que um disco converse com a gente não só pela letra, mas pela música também? Ele era essa alma que não cabia no corpo? Nem tudo na música está perdido depois do final dos anos setenta?
Deixo Jeff responder por mim.
"Last Goodbye", entrando em compassos lentos e acordes corajosos, é guiada pela levada de bateria, que abre espaço para Jeff emitir um triste trado sobre o fim de um relacionamento. "Sim, esse é o nosso último abraço/Devo eu sonhar e ver sempre o seu rosto?/Por que a gente não consegue ultrapassar esse muro?/Bem, talvez seja por que eu nunca te conheci mesmo", expressa um dos versos mais fortes. A música então já se tornou de beleza dura e peso doído. E falsetes e acordes de piano denunciam que tudo acabou.
Jeff te empurra no sofá cantando desde o início a jazzy "Lilac Wine", standart famoso na voz de Nina Simone que Buckley fez questão de dar sua versão dos fatos. Um doce e polido diamante musical sobre um amor inebriante feito vinho. Ele clama pelo seu amor, querendo encontrá-lo de qualquer jeito. Em certos momentos, Jeff faz tremer nas bases. Especialmente no final capaz de rachar o mais duro coração de pedra, "Vinho lilás, eu não me sinto pronto para o seu amor...".
"So Real" com cordas contidas e em tom de alerta, é uma música sobre o medo que as pessoas têm de amar. Apesar de afirmar que todos os momentos que passou com a pessoa que ama foram reais demais para ele, afirma "Eu te amo, mas eu tenho medo te amar/Eu tenho medo de te amar". Assim como nas duas músicas anteriores, as barreiras que as pessoas não conseguem romper para conseguir encontrar a felicidade real. Um solo de guitarra distorcido destoando do resto da música soa como a maior das insatisfações sendo posta pra fora em notas vigorosas e revoltadas.
Entra então uma música que é impossível ficar imparcial ao escrever sobre. "Hallelujah", regravação de seu ídolo Leonard Cohen, é um desafio para a capacidade descritiva de qualquer um. Iniciada por tristes melodias e um baixo ressoando, é simplesmente música demais para ser transformada em verbo. A devoção e o abandono com que Jeff Buckley se entrega ao tema é de chocar. De chocar com tanta doçura, com tanta tristeza, e a voz de Buckley soando cada vez mais e mais forte, mas sem nunca perder a beleza, opondo o sagrado e o humano, descrevendo um amor destrutivo, em versos como "O amor não é uma marcha de vitória/É um frio e sofrido Aleluia" e "Talvez haja um Deus lá em cima/E tudo que eu já aprendi sobre o amor/Era como atirar em alguém que tirou você". De ficar com os olhos marejados não importa quantas vezes escutemos: sempre continuará uma das canções mais lindas e melancólicas já compostas.
"Lover, You Should've Come Over" tem um início soturno, que logo se transforma em uma canção cadenciada de mais de seis minutos. Novamente volta o tema de um amor que consome o eu-lírico totalmente, deixando-o consumir, deixando ele solitário e obsessivo, em busca de uma chance de redenção. De início simples, a música vai crescendo em todos os quesitos, mas principalmente na interpretação de Jeff, que só para variar, arrasa, dizendo que nunca é tarde para voltar atrás, e sentimos todo o cansaço de se levar uma vida como essa exposto em sua voz lamentada e seus falsetes lancinantes.
A terceira regravação é "Corpus Christi Carol" de Benjamin Britten que, em termos técnicos, talvez seja a melhor performance vocal de Buckley. Cantando quase como uma soprano, alcançando um clima quase religioso, de deixar em transe. Apenas voz e cordas compondo a música mais curta da bolacha. Uma pueril admiração pela casta personagem do título, acompanhado de um refrão onomatopéico.
"Eternal Life" era o que mais podia se aproximar do mercado da época, já que Jeff não era pesado o suficiente para as rádios rock e era alternativo demais para mídias mais pop. A canção é um hard rock inserido na sonoridade dos anos noventa, fazendo soar quase como um grunge, com suas guitarras pesadas e sua cozinha sempre impondo um ritmo intenso na canção. Na canção, Buckley vê tudo corrompido e anseia por salvação, que para ele, nada mais é aceitar que a vida é assim e temos que aprender a lidar com ela, por mais difícil que isso seja. Como diz com urgência no verso "Não há tempo para ódio, apenas para questionar/O que é o amor?/Onde está a felicidade?/O que é uma vida?/Onde está a paz?/Quando eu vou encontrar a força para me trazer alívio?". E no final, a canção volta a ganhar belas melodias acompanhando seu ritmo pesado. Um dos grandes talentos de Jeff: saber encontrar beleza até mesmo na agressividade.
E, encerrando, "Dream Brother" vem em cordas hipnóticas, uma das mais intimistas de todo o conjunto, com uma pegada forte de bateria, um refrão chamativo e momentos instrumentais simplesmente viajantes, e Jeff sonha que ele só quer sentir-se seguro nos braços da pessoa, enquanto a mesma está com outro. Mas o mundo continuará girando para sempre, diz Buckley, e pelo jeito, não há mais nada a se fazer.
Jeff vendeu cerca de 300.000 cópias deste disco, algo que as gravadoras consideraram uma repercussão muito fraca, apesar do nome do cantor estar cada vez mais em voga. Fato este que o desagradou e o fez voltar ao formato de voz e guitarra e tocar para pequenas platéias de bares americanos. Underground e mainstream: o Hamletismo dos anos noventa que ergueu tantos, derrubou tantos outros, e fez com que tantos nomes como este que vos é apresentado não ganhasse maior reconhecimento.
Morto em 29 de maio de 1997 por afogamento, Jeff só confirmou a teoria da chama. Muitas pessoas questionam até hoje porque o mundo é tão injusto de nos tirar um cantor tão único assim. Tão individual, tão universal, tão sensível... Que sabia falar sobre morte, amor, vida, tristeza, sem cair no clichê. Apenas sendo honesto. Buckley angariou uma legião de fãs famosos, entre eles lendas do rock como Bob Dylan, Robert Plant, Jimmy Page, Lou Reed, David Bowie e Patti Smith, contemporâneos como Chris Cornell, Björk e PJ Harvey, fãs exóticos como a banda de Doom Metal Katatonia e o ícone do rock brasileiro Paulinho Moska, e influenciou nomes como Radiohead, Muse e Coldplay.
E o leitor me pergunta: é possível que alguém seja assim tão bom? É possível que um disco converse com a gente não só pela letra, mas pela música também? Ele era essa alma que não cabia no corpo? Nem tudo na música está perdido depois do final dos anos setenta?
Deixo Jeff responder por mim.
Marcadores: Resenhas
5 Comments:
Nunca ouvi, mas depois dou uma conferida, pois afinal, não é todo mundo que consegue ter como fãs os nomes citados...
PQP, esse álbum é ótemo! ÓTEMO PRA CHUCHU! *-*
Jeff foi um dos melhores do anos 90. e provavelmente um dos maiores singers de toda a história. Genialidade era o sobrenome do rapaz...
ahhh, eu choro ._.
nunca ouvi, mas minhas impressões básicas são de que ele era bastante feio, mas talvez genial. um cara que é ídolo de ídolos não pode ser ruim.
e fiquei curioso quanto à capacidade dele de misturar quatrocentos mil gêneros musicais.
vejamos.
(e, ah, a resenha ficou ótima.)
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