Atenção, meus caros passageiros do mais lisérgico ônibus charabanc (aqueles abertos no topo, manja?) que já passou suas rodas por nossas terrenas estradas. Mesmo que sua representação nas películas tenha sido penosa e desgastante em sua feitura e a maldosa crítica não tenha tido a mínima piedade do resultado final, quem já conhecia os motoristas de outras viagens embarcou novamente para valer. Pudera, com os próprios convidando, era difícil recusar!
Nossa primeira partida é em 27 de novembro de 1967, quando o quarteto de Liverpool já havia lançado o álbum do Sargento Pimenta e a história da música mundial experimentava seus primeiros dias após ser alterada completamente devido a esse álbum. E no mesmo ano, saiu "Magical Mystery Tour", trilha sonora do filme homônimo, idealizado por Paul McCartney em que várias pessoas (amigos, familiares e os próprios besouros) viajavam em tais ônibus exóticos. Tal lançamento seria eleito pelo Grammy o álbum do ano de 1968, com vários b-sides acompanhando a trilha sonora do filme. E é aqui uma das maiores demonstrações do poder de fogo beatle: quantas vezes o Rock viu uma compilação de músicas para trilhas, A-sides e B-sides com um resultado final tão satisfatório? Verdadeiro outsider o disco em questão...
O disco é aberto pela faixa-título "Magical Mystery Tour", composta por Lennon e McCartney, mas idealizada por Paul, onde enquanto a banda convida insistentemente em backing vocals, Paul canta o refrão "A turnê mágica e misteriosa/Está aguardando para te levar embora/Aguardando para te levar embora", em uma música direta, simples e animada, talvez nem tão ingênua quanto possa parecer (qual seria o 'combustível' para essa turnê mágica?), mas de um bom gosto impressionante. Polêmicas à parte, uma bela introdução antes de tudo.
"The Fool On The Hill", de Macca, feita para rebater todas as críticas negativas ao Maharishi, que julgavam-no um homem tolo, daí a letra versando sobre um homem que ninguém quer escutar, retratando-o como um observador da natureza. Mostrada a Lennon durante as sessões de gravação do clássico "With A Little Help From My Friends", o mesmo disse para Paul que continuasse escrevendo, o que mais tarde ele julgaria uma das maiores provas do baixista saber compor sozinho. Harrison e John tocando gaitas e um trio de flautistas serve de base para o belíssimo piano e violões de Paul e suas perfeitas harmonias vocais, cantando "o idiota na montanha, vê o sol se pôr/E os olhos de sua cabeça, vêem o mundo girar". De emocionar. Mesmo.
Ouvimos uma das raríssimas instrumentais compostas pelos Beatles ao longo de sua carreira, e esta leva o nome de "Flying", dando um ar viajante ao álbum, com Lennon tocando a melodia principal em um Mellotron enquanto George e Paul tocam guitarra, sustentando-se em um overdub de baixo previamente incluído. Ringo Starr além de baterias, ocupa-se das maracas, dando um exemplo como sempre de seu timing sempre preciso e perto da perfeição. Composição assinada pelas oito mãos que compunham o grupo.
"Blue Jay Way" já dá para sacar desde o início: saiu da genial cabeça de George Harrison, chegando neste mundo como uma canção quase etérea, com vocais e backing vocals distantes, viajados e derretidos em psicodelia. A origem da história é curiosa: O jornalista e agente de imprensa dos Beatles queria visitar Harrison, e pediu seu endereço, ao que George respondeu que era em "blue jay way". Ele disse que conseguiria achar sua casa. Devido a demora, o beatle manteve-se acordado compondo uma música em homenagem a ele em seu órgão Hammond. Aí que entendemos os contextos dos relaxados vocais, quando o besouro silencioso canta "Por favor, não se prolongue/por favor demore muito/Por favor não se prolongue ou eu posso dormir". Esse humor inglês...
Paul volta à ativa em "Your Mother Should Know", uma das melhores do disco, com seu piano martelando e uma das mais grudentas linhas vocais que Paul tirou de seu chapéu de idéias, inspirado em canções antigas, onde Macca convida seu broto para levantar-se e dançar uma canção bem antiga que "sua mãe deve conhecer". O órgão tocado por Lennon só reforça o climão nostálgico e o pandeiro acrescido por Ringo dá um ritmo muito gostoso para a canção.
Não se desesperem, fãs de Lennon: ele pode até ter demorado para aparecer, mas olhe só: apareceu com "I Am The Walrus"! Escrita após algumas viagens de ácido e inspirada no poema "A Morsa e o Carpinteiro", de Lewis Carroll, essa é uma das mais marcantes canções do rock psicodélico, uma canção das mais inovativas e vanguardistas do grupo, trazendo consigo várias orquestrações de violinos, cellos, chifres, clarinetes, coro de 16 jovens e a utilização de overdubs. Contêm várias referências ao passado de John, tudo escrito da forma mais irônica o possível, em versos "Eu sou ele como você é ele como você sou eu e nós somos todos juntos/Veja como eles correm como porcos fugindo de uma arma, veja como eles voam" e "Espertos escritores, sufocantes fumantes,/Você não acha que o palhaço ri de você?". Um mistério a ser desvendado ainda, as mil e uma e inesperadas reviravoltas sofridas guiam-se em perfeita maluquice para culminar naquele famoso refrão... "Eu sou o homem-ovo/Eles são os homens-ovo/Eu sou a morsa!".
Uma das canções mais pop de toda a carreira do quarteto mais famoso de Liverpool, mais uma de Paul, "Hello Goodbye", canção que após ser aprovada por George Martin, provocou certo ciúme em Lennon, que anos mais tarde diria não querer mais ser a banda de apoio de Paul e chamando a canção de "três minutos de contradições sem-sentido", dizendo que suas melhores músicas estavam sendo relegados a meros B-sides. Essa é a história por trás desse grudento rock que conquistou as paradas da época que vinha com Macca cantando em delicioso ritmo versos feito "Você diz sim/E eu digo não/Você diz alto/E eu digo baixo", que apesar de parecer sem sentido, quem sabe não possa fazer referência aos conflitos de ego que cercam uma banda?
Outra criação de Lennon, com introdução criada por McCartney, essa é uma das mais bonitas e perfeitas da banda: "Strawberry Fields Forever". Canção que começou a ser escrita em 1966, feita em um período em que nada parecia dar certo para John - havia tido a controvérsia dos "Beatles mais populares que Jesus", e seu primeiro casamento estava desmoronando, e ele ingeria doses cada vez maiores de alucinógenos. Daí nasceu a canção sobre querer voltar a ser criança e nunca mais sair dessa idade: "Deixe-me te levar/Porque eu estou indo para/os campos de morango/Nada é real/E nada com o que se preocupar/Campos de morango para sempre". Uma das canções com maior uso de overdub, inclusive com algumas gravações tocadas ao contrário, e com adição de cellos, trompetes e instrumentos de corda indianos. O resultado é quase indescritível, com a letra sendo um verdadeiro desabafo emocionado e nostálgico. De deixar os olhos marejados de tantas camadas e tanta delicadeza de transição. Destaque para a percussão com uma pegada muito precisa por parte de Ringo.
"Penny Lane" também é nostálgica, mas dessa vez a nostalgia atinge nosso Macca. O nome da canção é homônimo de uma rua de Liverpool, e para dar mais colorido ainda na canção, a tríade baixo-guitarra-bateria ganhou a adição de violino, gaita e cello. "Penny Lane está nos meus ouvidos e nos meus olhos/Lá em baixo do céu azul do subúrbio, e sento enquanto isso", canta Paul em um clima pueril e sincero, fazendo inclusive referências às biografias de outros Beatles, como o simpático barbeiro que cortava o cabelo de John Lennon e George Harrison em seus primeiros anos de vida. Um dos refrões que mais marcaram a história dos FabFour.
A próxima é "Baby You're A Rich Man", nascida de maneira semelhante ao clássico "A Day In The Life": John tinha uma canção inacabada chamada "One For The Beautiful People" e Paul, um acompanhamento que dizia "Meu querido, você é um homem rico", que viria a se tornar a canção descrita aqui. John começa perguntando como é se sentir uma das pessoas bonitas e a banda grita bem-humorada no refrão "Querido, você é um homem rico/Você guarda todo seu dinheiro em uma mala marrom dentro do zoológico/Que coisa estranha de se fazer!". Dos vocais mais suaves à impostação, e ainda com o rolling stone Mick Jagger participando nos backing vocals, a banda agrada em todos os níveis.
E por último, mas não menos importante, "All You Need Is Love". Uma das maiores canções do Rock And Roll, mesmo tão pueril ao lado de toda a perversão que o rock encarnou, com uma das letras mais sinceras e verdadeiras de John: não há nada que você faça que outra pessoa não possa fazer também, mas com o tempo você aprende a jogar o jogo e como lidar com o tempo. É simples: "Tudo que você precisa é amor" diz o coro formado por gente como Mick Jagger, Keith Richards, Marianne Faithfull, Keith Moon, Eric Clapton, Pattie Boyd, Jane Asher, Gary Nash apoiado por pianos tocados por George Martin e uma gama imensa de instrumentos. Sim, sim, é inocente, é muito simplista, não tem aquela decadência glamourosa... Mas ora, veja só! Até os malvadões da época assumem: não tem muito mistério para encarar a vida. É só amar.
E aqui chega ao final de outro álbum deles... Mais um que marcou época e influenciou uma pataquada de gente, desnecessário dizer. Os Beatles mostravam que era perfeitamente possível serem vanguardistas e serem pops, serem complexos mas serem divertidos, e o resultado final é de uma sinceridade, espontaineidade e, não obstante, genialidade tão grandes, que fica até meio impossível de acreditar que exista gente que não simpatize muito com o quarteto fantástico do mundo real. Tudo bem, quarenta anos depois, o convite persiste, ainda aconselhando para deixar a vergonha de lado e amar mais um pouquinho que não faz mal a ninguém:
"The Magical Mystery Tour
Is waiting to take you away!
Waiting to take you away..."
Marcadores: Resenhas
6 Comments:
a resenha ficou ótima, o disco é um dos melhores de todos os tempos, senão o melhor (sim, eu sei que talvez seja exagero, mas eu acho mesmo)...
...mas, PORRA, BÊR.
eu queria resenhar isso. snif.
Esse disco é Phoda com ph de pharmácia maiúsculo, assim como tudo que os Beatles fizeram desde o Help. As minhas preferidas são Strawberry Fields Forever, The Fool is on the Hill e All You Need is Love. Ultra foda!
bêr. diz:
é bom demaizzz né?
may diz:
muito, eu poderia até eleger como melhor....mas não é o melhor
bêr. diz:
é impossível eleger o melhor porque eles são os melhores e deles todos são melhores *acesso de fã tiete*
BEATLES, CARA! *-*
*olhinhos salientes*
Ah, esse álbum é ótemo pra chuchu, um favoritão dos Beatles. Beatles. *-*
Strawberry Fields Forever, Penny Lane...! esse disco é completamente foda, bêr.
é divertido ouvir Beatles, sem mais :)
(muito boa a resenha!)
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