Em 1966, o mundo já estava sentindo o cheiro da enchente de ácido lisérgico dietilamida (ou LSD) que tomaria o mundo no ano seguinte em forma de música, festivais, visual e ideologia. O mundo do rock atravessava uma ponte. As próprias bandas que haviam dominado a primeira metade da década com rocks apaixonados, básicos e até meio ingênuos começavam a se distanciar desses temas e as propostas sonoras em que eles se encaixavam. Foi o ano em que os Beatles lançaram "Revolver" e os Beach Boys lançaram "Pet Sounds", que surpreendiam pela perfeição pop encontrando a ousadia sonora da adição de elementos estranhos ao rock, maior complexidade dos arranjos, amadurecimento dos assuntos que eram tratados... Resumindo, quando o Rock começava a se tornar um estilo adulto. Um jovem adulto, finalmente disposto aos excessos que a vida proporciona e a exploração de novas fronteiras que a explosão hormonal não permitia.
Naquele ano, os Rolling Stones resolveram não ficar atrás. Vindos de uma muito bem sucedida turnê americana cujo lucro foi utilizado para pagar uma dívida com um de seus muito empresários picaretas, o baterista Charlie Watts lançava livros infantis, o guitarrista Brian Jones torna-se um grande amigo do beatle George Harrison e começa a ter sérios problemas de saúde devido ao alto consumo de substâncias ilícitas, o vocalista Mick Jagger e o guitarrista Keith Richards passavam os dias apertando um, e o baixista Bill Wyman estava se aproveitando de meninas fãs do Rolling Stones, dispostas a qualquer coisa para ficar perto de seus ídolos. Entre gravações de programa de TV e shows ao vivo, a banda aproveita para gravar seu disco que começaria a distanciar-lhes do status de banda comum: "Aftermath". A rudez e a sensualidade naturais da banda agora encontravam instrumentos pouco convencionais e harmonias diferenciadas. Tudo deve-se ao gênio criativo de Brian Jones, criativíssimo multi-instrumentista que sabia acrescentar algo de diferente às canções, e que não satisfeito, consumia cada vez mais LSD para poder reproduzir sons que só existiam em sua cabeça.
Toda essa criatividade saindo em torrentes já começa a nos fascinar desde a primeira canção, a clássica e magnífica "Paint It, Black". Canção esta em que Brian Jones chama a atenção do ouvinte para si mesmo desde o início, tocando cítara. O que os Stones fizeram nesta música é algo perfeitamente classificável como covardia, pois seu onírico início que dá o pontapé para um desenrolar mesmerizante guiado pelos sensuais vocais de Mick e a pegada marcante de Charlie Watts é algo simplesmente incrível. Atordoado, Mick deseja na letra ver tudo na cor negra, não quer ver nenhuma cor, não quer mais ver o sol, pois desde que seu amor partiu, seu mundo inteiro ficou negro, e ele deseja arduamente extereorizar sua situação. Vale dizer também que esta canção tornou-se a preferida dos soldados que estavam combatendo no Vietnã, ultrapassando "We've Got To Get Out Of This Place", dos Animals. E amantes do cinema lembram dessa música como a que encerra o clássico "Nascido Para Matar" ("Full Metal Jacket"), do genial cineasta Stanley Kubrick. Referências o suficiente para convencer até o maior odiador de Rolling Stones, não?
A música seguinte atende pelo nome de "Stupid Girl". A bateria forte de Charlie marca presença aqui desde o primeiro segundo em que entra. Uma das músicas mais diretas do disco, onde agressivo até o seu possível, Mick Jagger ataca as garotas fúteis, em versos um tanto ousados para uma banda no mainstream, como "Estou falando sobre o jeito que ela agarra e segura/Olhe para aquela menina estúpida". E o Rolling Stones prova que pode tornar até um "shut up" em um trecho altamente viciante e cantarolável.
Brian Jones marca seu nome com fogo na história outra vez. E essa segunda marca flamejante atende por
"Lady Jane", levíssima canção feita em cima de cordas, onde Jones prioriza harmônicos naturais e abre espaço para Mick cantar uma linda canção de amor dedicada a uma Lady Jane. Segundo a versão oficial, a a letra trata de uma carta amorosa do Rei Henrique VIII para Jane Seymour onde comenta o fim da relação com Anne Boleyn. Porém, a namorada de Jagger na época, Chrissie, disse que a música era para ela. Ou seja, nos impediu de afirmar com certeza absoluta que Rolling Stones também é cultura...
Outro clássico stoniano. Esse é "Under My Thumb", canção pontuada por leveza e discrição instrumental e um refrão extremamente grudento na voz maliciosa de Mick, afirmando que uma garota que certa vez o desprezou agora está sob o polegar dele, pronta para satisfazer todas as suas necessidades, e ainda se dando o direito de olhar para outras garotas. Jagger provava que também podia ser o terror das feministas - isso, é claro, até ele conhecer Marianne Faithful e compôr várias baladas super doídas para ela. Esses homens são todos iguais mesmo!
A seguinte não é clássico, mas nem por isso perde o brilho. "Doncha Bother Me", e aí é deixar esse blues stoniano tomar sua atenção. Com direito até a uma gaita de acompanhamento, onde Mick pede para não o seguirem mais e para não o copiarem mais, onde afirma divertidamente que "as linhas ao redor dos meus olhos/são protegidas por direitos autorais". Claro que, falando em cópia, os Rolling Stones tem uma sorte e tanto de Chuck Berry ser um cara boa praça, não é mesmo?
"Think" é pontuada por vocais mais baixos de Jagger, chegando a lembrar antigos registros de blues. Certas passagens dessa canção trazem Mick mais sexy do que nunca em seu desempenho vocal, onde canta sobre uma discussão com sua namorada, quando a mesma chama ele de imaturo e Jagger diz que ela quer amadurecer muito rápido. Selo de qualidade Rolling Stones, não espere nada abaixo do excelente!
Ouvimos agora "Flight 505", introduzida por teclado até cair em um blues nervoso, talvez a música mais inflamada do álbum, onde Mick canta uma chocante letra sobre um cara que, cansado da vida maçante que leva todo dia, resolve pegar o vôo 505, onde é descrito o passo-a-passo de ter chegado no avião. E ele estava sentado orgulhoso na sua poltrona pronto para encher a cara e... O piloto afunda o avião no mar com todo mundo dentro... Bem, para os que não fizeram aula de natação, resta desejar um bom descanso.
"High And Dry" tem um efeito percussivo repetitivo e linhas vocais cativantes, além de um baixo presente de Bill Wyman. Um revoltado Jagger canta que uma garota o fez de trouxa e o deixou em um lugar qualquer encalhado. Está aí, caras feministas que ficaram revoltadas com a submissão pelo polegar: o doce sabor da vingança. De uma forma quase engraçada, Mick dá um fim na canção quase resmungando.
Os Stones sintetizavam o amadurecimento pelo qual o Rock passava na época na letra de "It's Not Easy". Talvez a canção mais rápida do álbum, com vocalizações facilmente digeríveis. A cozinha faz um ótimo papel aqui. "Não é fácil/Bem, uma vida severa/Não é fácil/São tempos difíceis, baby", diz a letra, muito atual até os dias de hoje, mostrando os conflitos que a independência gera.
"I Am Waiting" tem os vocais mais melódicos da bolacha, e o instrumental vai do discreto até um doce crescimento. A letra tem um sentido um tanto quanto ambíguo, onde Jagger diz que espera alguém sair de algum lugar, para logo em seguida acrescentar que "Acontece o tempo todo/É censurado de nossas mentes/Você descobrirá". Talvez a primeira canção política dos Stones.
E o disco fecha com "Goin' Home", ou o delírio de Charlie Watts. De início apenas uma canção de encerramente blueseira falando sobre as saudades que Jagger sente de casa, mas que quando já era para a mesma ter terminado, mesmo com a banda indicando com a cabeça para parar, Watts impôs uma orgia sonora e esticou a duração da música até mais de onze minutos, onde Brian Jones entra com o cravo, e os músicas adicionais Jack Niztche com o orgão e Stu com o teclado, e o baterista aproveita para fazer a festa com congas, bongos, pratos tipani e bumbos de maior expessura. Mick também parece se perder na festa, engrossando a voz, gemendo e sussurrando. Uma amostra e tanto que os Stones não se limitavam apenas ao rythm 'n' blues, mesmo sendo esta a especialidade.
Não só pelas músicas que traz, esse disco consegue ser marcante por ser o primeiro que traz apenas composições da dupla Jagger-Richards e por abrir as portas da fase mais lisérgica dos Stones, esta logo acabando por causa da insatisfação de Brian Jones, que não estava afim de seguir a tendência que a maioria das bandas adotava, e também por marcar um notável crescimento no abuso químico da banda, que vitimizaria o genial guitarrista de cabelos loiros em poucos anos. Este é "Aftermath", a primeira amostra do monstro sexy, junkie e indestrutível que surgiria em poucos anos para arrrebatar milhões de ouvidos planeta afora.
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9 Comments:
Bela resenha, mas tenho que dizer que Rolling Stones é até legal, mas depois de um tempo ouvindo fica muito enjoativo.
Ha, é uma boa resenha; dá o devido crédito aos Stones - os malditos merecem.
'a primeira amostra do monstro sexy, junkie e indestrutível que surgiria em poucos anos para arrrebatar milhões de ouvidos planeta afora.'
bastante ênfase no arrebatar!
Rolling Stones são tão bons, mas tão bons que me fazem sair cantarolando suas (anti-)sutilezas por aí.
Aftermath é um daqueles pilares do rock. E Paint it Black é sem dúvidas uma das maiores canções de Rock da história.
Jagger-Richards é uma das melhores duplas do rock
demais! :D
paint it black
stones é stones
aftermth é um grande disco !!! veio antes de rvolver e pet sounds!!!
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