O início dos anos 70 foi difícil para todos. Quando os besouros de Liverpool resolveram pôr um ponto final na história do seu grupo, em 1970, e no ano seguinte John Lennon declarou que “eu não acredito em Deus, Buda, Elvis e Beatles, apenas em mim e Yoko”, parecia anunciar uma década sombria. Quase ao mesmo tempo, morriam Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin, ícones de toda a geração que vivenciou a mágica dos festivais hippies da segunda metade da década de 60.
Nos anos 70, a contracultura política e pacífica foi lentamente dando lugar a uma mais mística e hedonista. Mas talvez seja necessário o por que do surgimento e consolidação da “era do individualismo”.
As ditaduras latino-americanas seguiam firmes impondo uma censura fortíssima, enquanto os Estados Unidos enfrentavam o vergonhoso final da guerra do Vietnã e a recessão por causa crise do Petróleo. A Inglaterra enfrentava uma de suas maiores crises. O papa Paulo VI sofreu uma tentativa de assassinato. Ocorre o escândalo e a prisão do serial killer Charles Manson, que executara a atriz de Sharon Tate, entre outros. A delegação israelita dos jogos olímpicos da Alemanha sofre um atentado dos terroristas do Setembro Negro no Massacre de Munique. Ao redor do globo, estudantes e mais estudantes eram massacrados por regimes militares.
Ao mesmo, também ocorria as Copas do Mundo, o movimento da Jovem Guarda no Brasil, a música disco, o movimento em defesa do meio-ambiente, o crescimento econômico do Japão, a invenção do primeiro videogame, o crescimento do meio televisivo, os inúmeros clássicos cinematográficos, a pop-art.
A década mais doida do século passado foi exatamente isso: um caos, um turbilhão de informações, uma época de desgraças tremendamente chocantes convivendo com interessantíssimas inovações tecnológicas e culturais e obras-primas artísticas. A menor preocupação com a política e a maior com a satisfação pessoal ou a consolidação de correntes alternativas de pensamento que diferiam das que tinham maior número de seguidores – daí vinha a popularização de religiões pagãs celtas e orientais. E a mídia e artistas ajudavam propagando e instaurando, tornando tradições milenares um verdadeiro hype.
Em um mundo tão variado assim, ficava mesmo difícil criar uma consciência coletiva, que colaborasse para o todo; pois até os que iam contra o sistema vigente demonstravam as mais variadas facetas, criando tribos que imediatamente odiavam ou tinham pouca simpatia por suas próximas.
Pois, no mundo do Rock And Roll, que no ano de 1972 vinha se acostumando com a instauração do rock pesado e a afetação do glam rock, a única banda sobrevivente do mundo mainstream resolveu lançar seu álbum definitivo.
Mesmo tendo surgido e feito muito sucesso nos anos 60, os Rolling Stones talvez sejam uma das bandas que mais representaram o espírito dos anos 70; ofuscado nos anos 60 pelo brilho dos Beatles e sob a constante a acusação de plagia-los, Mick e cia. foram um dos grupos que mais soube sobreviver àquele famoso “ciclo dos sete anos” por qual passa toda grande banda (o caso dos Beatles é o mais famoso, repare). Já em 1971, com mudança de gravadora para uma que levava o próprio nome da banda, eles lançaram o maravilhoso “Sticky Fingers”, que consolidava o espírito hedonista da década que viria. No álbum já se encontravam pérolas do porte de “Brown Sugar” (a segunda melhor música sobre heroína após “Heroin”, do Velvet Underground), a linda e emotiva "Wild Horses", e a mais do que sexy “You Got To Move”.
Mas o exílio que impedia o Stones de ser uma das maiores bandas do mundo – por não serem gênios pop feito os Beatles, músicos técnicos feito os medalhões do hard rock e heavy metal setentistas, banda extremamente complexa feito as de rock progressivo ou homens maquiados feito os do glam rock – acabava aqui, em “Exile On Main Street”. Aqui ficou provado que se os Rolling Stones deveriam ser exilados em algum lugar, haveria de ser na rua principal, como uma das maiores bandas de Rock And Roll de todos os tempos. Quiçá a maior.
Em sua melhor formação -Mick Jagger no vocal, Keith Richards e Mick Taylor nas guitarras, Bill Wyman no baixo e Charlie Watts na bateria os Stones foram apoiados pelo sax de Bobby Keys, o piano de Nicky Hopkyns e o trompete e o trombone de Jim Price, entre outros que participaram de uma música ou outra, ou apenas gravaram as bases, como Ian Stewart, Jimmy Miller, Gram Parsons, Ted Newman Jones III, Al Perkins etc, etc...
Letras que pareciam ser feitas na hora, canções as mais variadas o possível, drogas, sexo e loucura no limite são apenas algumas das palavras que podemos utilizar para definir esse artefato pop tão influente. Ficava atestado que eles não eram apenas o contraponto e copiadores dos Beatles que só saíram da sombra deles tarde demais. Esqueça, quando o assunto é página virada, os Rolling Stones sempre provam que a página virada é quem os critica. O visionarismo dos Stones é algo que excede barreiras. O visual andrógino e inisnuações sexuais de Mick que inspiraram o glam rock, o satanismo de “Their Satanic Majesties Request” e “Sympathy For The Devil” que abriu portas para o Black Sabbath e Uriah Heep (e, mais tarde, todo o Black Metal) se aprofundarem no assunto, a pose de rockers feios, sujos e drogados com comportamento nem um pouco aconselhável para quem quer uma vida longa e tranqüila, que influenciou qualquer banda e artistas a partir deles – de Aerosmith, New York Dolls, Stooges, MC5 e a blank generation de New York até os dias de hoje, qualquer banda que queira parecer suja e agressiva, vai buscar seu pote de inspiração nos Stones.
O nome do disco e sua capa refletiam sua situação e sonoridade: exilados na França, sem poder voltar para a terra da Rainha por causa do fisco, os Stones não dispuseram de toda a parafernália que tinham até então. A sonoridade alcançada reforça ainda mais o caráter de álbum espontâneo: mais sujo e lento do que seus álbuns anteriores, e também com um número muito maior de facetas. As influências de gospel e blues se afloram em emotivas baladas, rocks de primeira e músicas totalmente negras e yankees, onde a única coisa britânica é o sotaque de Mick.
E aí, tente-se resistir a tudo isso. Desde a abertura “Rocks Off”, empolgante canção que dizem ter sido gravada apenas em dois takes e com uma letra sexy e perigosa pra diabo; “Tumblin’ Dice”, um dos maiores clássicos da banda e uma de suas melhores canções dos anos 70, inspirado em um cassino em Monte Carlo; “Ventilator Blues” e sua letra inspirada no único ventilador que aquecia na banda, e sua batida rítmica tocada com certa dificuldade por Watts, tendo que ser ajudado pelas palmas de Bobby Keys. “Happy”, o maior clássico do álbum ao lado de “Tumblin’ Dice”, é cantado por Keith Richards, sendo que este a escreveu após saber que sua mulher estava grávida.A belíssima “Sweet Black Angel” foi inspirada em Angela Davis, uma qualificada professora de filosofia negra americana que batalhou contra o racismo e foi perseguida pelo FBI, até ser presa em 1971, ocasionando vários manifestos em seu nome, que se tornara o símbolo do cidadão oprimido. “Cassino Boogie” foi criada basicamente numa jam entre Keith e Bobby Keys. Também estava presente a regravação de Slim Harpo de “Shake Your Hips”, a urbana “Torn And Frayed” que misturava todos os caminhos pelos quais os Stones já haviam percorrido até então (gospel, rock and roll, blues e soul), sem contar outras surpresas que não se lembram tanto quando falamos vagamente de Stones: as guitarras de “Sweet Virginia”, o soul-funk hipnotizante de “Let It Loose”, e “All Down The Line”, e “Turd On The Run”, e “Shine A Light" e por aí vai...
Até hoje os novos fãs se perguntam como que uma banda no auge da doideira conseguiu escrever dezoito canções, todas indispensáveis para quem quer sentir a música contemporânea condensada em sua melhor forma em todas as suas facetas, um verdadeiro compêndio da música pop, enquanto outras bandas que seguiam no mesmo caminho de auto-degradação mal conseguiam escrever uma dezena de canções para cada álbum.
O próprio Mick admite que este talvez seja o melhor álbum da banda; e por que contradize-lo? Ainda que os Stones estejam recheados de álbuns dos mais geniais (ou o herege leitor nunca ouviu “Aftermath”, “Beggar’s Banquet”, “Let It Bleed”, “Sticky Fingers”...?), tudo o que eles fizeram e viriam a fazer foi escrito com sangue, heroína e sexo quando eles foram exilados na rua principal. Longe de desrespeitar o poder bruto de Iggy e seus patetas, o clube do Sargento Pimenta de John Lennon e cia. ou as aranhas de marte de David Bowie, mas se algum dia forem eleger o maior álbum de Rock And Roll de todos os tempos, “Exile” é páreo duríssimo e peita de igual para igual.
E quem diria que esses caras só queriam copiar Chuck Berry, comer umas garotas e tomar umas cervas geladas seriam geniais a esse ponto? Adoramos subestimar nossos semelhantes, e nossos semelhantes adoram provar que estávamos terrivelmente errados, e é o que permite um garoto mulato e gago lance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” em um país latino-americano elitista e racista ao último, que um diretor subversivo e severamente criticado revolucione o mundo das películas com “2001: Uma Odisséia No Espaço”, ou, no caso da música, que um “bando de meros copiadores de Chuck Berry e Beatles” escrevam algo feito “Exile On Main Street”.
E há 35 anos o bocudão e o junkie (que nunca teve problemas com as drogas; apenas com a polícia) souberam sair da efemeridade e escrever seu nome no século 20 – a custo de muitas seringas, garotas, prisões e todos aqueles itens que imaginamos quando pensamos em roqueiros, e que as salvações do rock hoje em dia tentam fazer algo parecido (e não desvie o olhar, mr. Pete Doherty) mas, sabe como é; chegaram tarde. As pedras que rolam e que não criam limo já passaram por esse terreno há décadas atrás, baby...
Marcadores: Especiais
8 Comments:
porra meu que tesao, vou baixar esse disco pode ter certeza. caralho, voce melhorou DEMAIS o nivel e a qualidade das suas resenhas, o q eu ja achava dificil pois ja eram mto boas, parabens cara, abraço
Esse é um daqueles discos clássicos do Rock, isto é: nunca estão velhos para serem apreciados.
A resenha ficou muito boa, Bêr.
Os argumentos e os comentários aleatórios são concretos, e, aliás, o seu nível de cultura geral está bem alto :P
Vou baixar esse e ouví-lo.
Parabéns e abraço o/
rolling stones é a melhor banda de ruóque do mundo e ponto.
Anos '70, Rolling Stones exilados na rua principal com todas aquelas parafernalhas, cervejas, mulheres, e, é, bem; era o rock criando uma nova formação com esses caras.
Que os junkies do rock vos envenene.
Fala, rapaz!
excelene resenha e do disco e retrato da época!
muito bom mesmo
e rolling stoles dispensa comentários hahah
abraços
um dos melhores discos que eu já ouvi
mas prefiro Let It Bleed e Beggar's Banquet :D
e o maior album de roquenrou já foi eleito pra sempre, não blasfeme :|
exile já foi eleito o melhor albun de rock pela revista rolling stone alemã a alguns anos atrás, e os stones nunca foram meros copiadores dos beatles, os beatles tb tiravam algumas coisas dos stones e vice-versa, eles fizeram o hino dos anos 60 eram bons de palco e de estúdio , ao contrário de outrs bandas que eram boas de estúdio mas no palco nem tanto, enfim os stones foram sem dúvida a maior banda de rock que já existiu,embora os beatlemaniacos não reconhecam.
Postar um comentário
<< Home