Hoje completam-se dez anos da partida do letrista, vocalista e, segundo muitos, um dos maiores gênios do Rock brasileiro: Renato Russo, que fez história no hoje consagrado Legião Urbana, banda que emplacou inúmeros clássicos ao decorrer da sua carreira. Esses brasilienses saíram do underground punk da região centro-oeste, ao lado de gente como Capital Inicial e Plebe Rude, para conquistar o Brasil com seu rock ora rápido, garageiro e político, ora lento, sofisticado e deprimido.
Ao contrário do pessoal da região sudeste, mais chegada a um hardcore porrada, originando bandas como Cólera, Olho Seco e o famoso (ou famigerado) Ratos de Porão, Brasília sempre teve uma maior tendência ao punk '77 e o new wave de bandas como Ramones, Sex Pistols, Clash e The Smiths. Apadrinhados pelos Paralamas do Sucesso que regravaram "Química" no disco "Cinema Mudo", música que Renato fez quando ainda era do lendário Aborto Elétrico, uma das primeiras bandas punks brasileiras (e que segundo contam, tal música foi um dos motivos para o fim da banda, já que Fê Lemos - hoje baterista do Capital Inicial - achou-a infantil demais), o Legião Urbana grava seu primeiro álbum no final de 1984 e o lança no ano seguinte pela gravadora EMI, com a formação Renato Russo no vocal, violão, teclados e letras, Dado Villa-Lobos nas guitarras, violão e efeitos, Renato Rocha no baixo e Marcelo Bonfá na bateria e percussão.
O disco abre com a romântica "Será", um rock de guitarras palatáveis e batida reta, de pouco mais de dois minutos, formando um dos primeiros dos muitos clássicos que a banda iria cravar ao longo de sua história. A temática amor sempre foi bastante recorrente ao longo da carreira da banda, explorando relacionamentos a fundo, como se vê nos versos "Tire suas mãos de mim/Eu não pertenço a você/Não é me dominando assim/Que você vai me entender". O refrão da música tornou-se famosíssimo, fazendo deste nascimento para o mundo da música um grande momento, com um hit certeiro.
"A Dança", com guitarras mais discretas que a anterior, compartilhando espaço com efeitos e uma marcante linha de baixo de Renato Rocha. Russo critica a futilidade dos jovens em versos como "Não sei o que é direito/Só vejo preconceito/E a sua roupa nova/É só uma roupa nova", "Nós somos tão modernos/Só não somos sinceros/Nos escondemos mais e mais/É só questão de idade/Passando dessa fase/Tanto fez e tanto faz". Devido aos efeitos, chega até a soar experimental, criando um belo contraste em relação à anterior.
As guitarras voltam com força em "Petróleo do Futuro", mostrando toda a força do punk/new-wave da banda, após muito ouvir (e "chupar") Smiths. A ideologia política continua forte ao ouvir Renato Russo cantar "Filósofos suicidas/Agricultores famintos/Desaparecendo embaixo dos arquivos" e "Sou brasileiro errado/Vivendo em separado/Contando os vencidos/De todos os lados". Básica e simples, porém cheia de melodia e energia. Não é um hit do álbum, mas tem seu valor.
O segundo clássico do álbum surge com "Ainda É Cedo", com melodias de teclado muito bem inseridas, em dueto com o contrabaixo e a batida reta da bateria. A letra narra o encontro do autor com um menina que o ensinou tudo, que o dominava, mas cuidava dele, até que ele parece ter criado uma espécie de dependência em relação à ela. Com o passar do tempo, ela desiste de namorar com o autor e termina com tudo. E Renato, atordoado, repete com veemência que "ainda é cedo".
Ao invés de falar de amor ou criticar a sociedade, "Perdidos No Espaço", que experimenta uma linha marcante de baixo misturadas com efeitos assim como na segunda faixa do álbum, só que agora inserida em uma música mais rápida. Na letra, Russo afirma "Escrevi pra você e você não me respondeu/Também não respondi quando você me escreveu" e "Vivendo num planeta perdido como nós/Quem sabe ainda estamos a salvo?", desempando uma interessante performance vocal, que cresce no refrão também na parte instrumental.
"Geração Coca-Cola"... Não é a primeira vez que falo dessa música aqui no blog, mas agora trata-se da versão original, um punk rock rápido e agressivo liricamente, onde Renato protesta "Quando nascemos fomos programados/A receber o que vocês nos empurraram/Com os enlatados dos USA, de 9 às 6" e afirma no refrão "Somos os filhos da revolução/Somos burgueses sem religião/Nós somos o futuro da nação/Geração Coca-Cola". Não é preciso nem dizer que é o maior clássico do álbum, certo? O ideal para os apreciadores do Legião Urbana em seu período mais cru e garageiro.
A crítica social continua forte com "O Reggae", cujo instrumental segue à risca o título, com melodia marcante do baixo, teclados característicos e linhas vocais idem, só não mais Reggae pela voz sóbria de Renato Russo. Renato vai da sinceridade à ironia, dizendo "Ainda me lembro aos três anos de idade/O meu primeiro contato com as grades/O meu primeiro dia na escola/Como eu senti vontade na escola" e "Aprendi a roubar pra vencer/Nada era como eu imaginava/Nem as pessoas que eu tanto amava/Mas, e daí, se é mesmo assim/Vou ver se tiro o melhor pra mim". E continua furioso em "Têm o meu destino pronto e não me deixam escolher/Vêm falar de liberdade pra depois me prender". Excelente.
"Baader-Meinhof Blues", com o nome sendo uma referência a um grupo terrorista alemão da década de 70, traz o rock de volta ao disco, e mantendo a revolta contra o comportamento das pessoas, como "Todo mundo sabe e ninguém mais quer saber/Afinal, amar o próximo é tão demodé" e o ataque direto "Não estatize meus sentimentos/Pra seu governo, meu estado é independente".
A seguinte é "Soldados", uma música desconhecida do repertório, que talvez só os proprietários de uma das cópias do disco conheçam. Quebrando o ritmo, teclados aparecem novamente, onde um atormentado Renato fala sobre a guerra. O questionamento aparece em "Quem é o inimigo/Quem é você?/Nos defendemos tanto sem saber/Por que lutar" e "Somos soldados/Pedindo esmola/E a gente não queria lutar", um tapa na cara do Estado que ilude seus jovens com falsos ideais de patriotismo para que eles ofereçam inutilmente suas vidas a tratamentos desoladores e fatais. Pena não ser mais conhecida...
Se aproximando do final, ouvimos agora a peculiar "Teorema", que segundo o próprio letrista (Renato), é uma canção sobre sexo oral, apesar de isso não ser citado descaradamente em nenhuma parte da música, pois, ainda segundo o próprio, a censura ainda era muito forte, e sexo era um tabu. "Ninguém sabe fazer/O que você me faz" e "Parece energia mas é só distorção/E não sabemos se isso é problema/Ou é a solução" oferecem possíveis e discretas pistas, apesar de também pode ser entendida como uma canção de amor. Com backing vocals marcantes, linhas vocais cativantes e uma linha de baixo grudenta, assim como no resto do disco, se tivesse uma letra mais comum, passaria despercebida. Torna-se notável pela ousadia, uma das primeiras indiretas que Renato Russo daria sobre sua homossexualidade, e que com o passar do tempo, tornariam-se diretíssimas.
E com "Por Enquanto", o álbum encontra seu final, sendo esta a música mais arrastada do álbum. Os efeitos voltam a aparecer, mas contracenam com doces melodias de guitarra. O refrão é pra lá de inspirado, triste e bem arranjado. "Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar/Que tudo é pra sempre/Sem saber que o pra sempre/Sempre acaba?". Um belo, doce e discreto final.
Não posso fazer mais nada a não ser prestar homenagens à grande figura que foi Renato Russo, por sempre tentar trazer inteligência e conscientização para os seus ouvintes, não deixarem eles caírem nas mazelas conseqüentes das ilusões que nos são oferecidas nos dias de hoje para viver e idolatrar. Uma luta que ainda não morreu. É como dizem na série de quadrinhos que virou filme, "V de Vingança": podem matar o homem, mas não podem matar a idéia. Assim como Cazuza, Lennon, Harrison... e Russo, óbvio. Saudades, "trovador solitário".
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7 Comments:
a única coisa q eu escutava quando era criança era isso...me chamavam de precoce, mas eu simplesmente passei a não suportar mais...deve ter sido enjôo...
vlw
a música "soldados" é uma que ele declara ser homossexual
Russo deixa saudades.
a unica coisa que tenho a dizer sobre o renato russo, é que ele foi um cara legal que escrevia letras que o povo se identifica.
é isso basta.
música boa, letras bacanas, melodias simples.
eu amo o renato
amo amo amo!
na boa, legião urbana = cocô |:
legião e renato dispensa comentários e voce esqueceu de citar Raul no final!
o/
Poww renato era a pessoa que mais sabia o que estava dizendo, acho que ninguem, posso dizer isso pro que sou Fazasso hahaha , fala tão bem e traduz maravilhosamente os sentimentos como ele... Ele deixa muitas saudades... Mas tambem sera eterno...
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