"A capa, distorcida, já entrega o conteúdo. O "Sgt. Peppers" começou a ser delineado aqui. O que mais me impressiona é notar como os Beatles souberam abrir mão de uma fórmula musical consagrada, que era certeza de sucesso, e partiram para saciar sua curiosidade e, ainda assim, continuaram pop. Isso é muito difícil, é preciso muito culhão para tomar essa atitude." (Samuel Rosa, Bizz Especial - The Beatles, 2003)
Em seu sexto álbum, o quarteto de Rock mais famoso de Liverpool, da Inglaterra e do mundo, sob produção de George Martin, dá o primeiro passo na transformação definitiva da música pop. Os Fab Four lentamente começavam a abandonar os hits fáceis e certeiros, a tal "fase comercial" que já os colocava no topo do mundo em termos de vendagem, público e crítica. Mas apenas isto não parecia suficiente para eles. Eles teimaram em escrever o capítulo principal do livro do Rock And Roll, onde foram destaque absoluto da página 1963 até a 1970 - e continuam deixando uma sombra e uma lembrança fortíssima até as páginas que outros continuam escrevendo hoje. Sem o capítulo Beatles, o livro estaria incompleto.
"Rubber Soul" mostrava a superação da fase adolescente de filmes como "A Hard Day's Night" e "Help!" e a entrada em um universo totalmente novo. É aqui neste álbum que afloram as primeiras influências indianas, a exploração das possibilidades de um estúdio, a mistura entre guitarra e violão, a inclusão de pandeiros e maracas, e o amadurecimento das letras, indo desde metáforas, ironias e surrealismo até lirismo poético e existencialismo. Nesta época também ocorriam os primeiros contatos com drogas, com maconha sendo oferecida a eles por Bob Dylan. Vale lembrar que também foi o primeiro álbum da banda que teve relação de faixas parecida nos muitos países em que foi lançado, já que antes as gravadoras de cada país recebiam as fitas masters e lançavam álbuns com a seqüência e as músicas que desejavam.
O álbum abre com "Drive My Car", um agitado Rock escrito por Paul com algumas contribuições de Lennon. Paul e John repartem os vocais principais, que fala sobre uma garota interesseira e um narrador que a persegue a fim de tentá-la seduzir com ilusões de fama, como se constata no refrão: "Baby você pode dirigir meu carro/sim, eu vou ser uma estrela/você pode dirigir meu carro/e talvez eu a amarei". John Lennon ainda toca pandeiro, dando uma sonoridade toda especial à música, que é completada por um empolgante solo de George. Começo mais que cativante.
"Norwegian Wood (The Bird Has Flown)", composição de Lennon com ajuda de Paul, demonstra a primeira vez que os Beatles exerciam suas "influências exóticas" - George Harrison, que na época estava estudando música indiana, toca cítara na canção, acompanhado do violão de John, do baixo de Paul e do pandeiro de Ringo. Na letra, Lennon canta e conta uma história sobre uma relação extraconjugal que teve com uma mulher quando estava casado com Cinthia Lennon. Um dos muitos clássicos do álbum em questão, exótica e enigmática. Uma peça rara que só os Beatles sabiam compor.
A próxima é "You Won't See Me", uma dócil e melódica música onde Paul descreve sobre o namoro em crise com Jane Asher, que não retornava as ligações do pobre Macca, que entrega de bandeja em belíssimas harmonias vocais: "Nós perdemos o tempo que foi muito difícil de encontrar/E eu vou enlouquecer se você não quiser me ver". Uma música simples e bela, cujo romantismo tão característico das letras de Paul é um grande toque nessa adocicada canção. O orgão Hammond de Mal Evans é um grande toque na canção, fazendo deste instrumento muito querido pela nação roqueira.
Uma das mais consagradas do álbum, esta é "Nowhere Man", talvez a melhor música do álbum, ou senão, uma das melhores. As melhores linhas vocais do álbum. Violão, baixo e bateria e backing vocals casando muito bem como um todo, em que a dupla Lennon e McCartney parece falar sobre uma espécie de nômade: "Ele é um autêntico Homem de Lugar Nenhum/Sentado em sua terra de lugar nenhum/Fazendo todos os seus planos inexistentes para ninguém".
Harrison nos brinda com "Think For Yourself", que marca a volta das guitarras, em um belíssimo rock permeado por maracas, pandeiro e um baixo com efeito fuzz, dando um ar diferente à canção, de melódicos versos até um marcante e crescente refrão. George parece criticar uma pessoa egoísta e sem personalidade, e parece dar um conselho a ela no refrão: "Faça o que você precisa fazer/E vá onde você precisar ir/Pense por você mesmo/Pois eu não quero ficar la com você". Difícil é esquecer o refrão.
"The Word", com participação de George Martin na harmônica, é uma feliz canção, segundo os autores feita sob influência de maconha, em uma letra que já abria portas para a fase paz e amor da banda: "Diga a palavra e você será livre/Diga a palavra e seja como eu/Diga a palavra na qual eu estou pensando/Você ouviu a palavra, é amor ?/Está tão bem, é raio de sol/É a palavra, amor". Paul apostando nos falsetes acompanhando John fazem um grande dueto, tornando a canção muito divertida de se ouvir, junto com George, que também faz um grande serviço.
A balada "Michelle" tem melodias conquistadoras de violão, com uma letra mais do que romântica para uma garota chamada Michelle: "Eu amo você, Eu amo você, Eu amo você/É tudo que eu queria dizer" e "Até eu mostrar, espero que você saiba o que eu significo/Eu amo você/Eu quero você" entregam isso de bandeja. Para ficar tudo em uma ar mais romântico ainda, o apaixonado Paul recita alguns dos versos da música em francês.
A diversão volta em "What Goes On", um blues-rock com vocal de Ringo com Paul e John nos backin' vocals. Ringo faz um belo trabalho tanto no vocal quanto na bateria. Como de costume, George detona um solo delicioso de se escutar. A temática de relacionamentos volta à lírica da banda, como se vê no refrão: "O que há em seu coração?/O que há em sua mente?/Você está me afastando/Quando você me trata tão mal/O que há em sua mente?". Bela na sua simplicidade, destilando todo o potencial melódico do grupo.
"Girl" é uma bela balada cantada por John, novamente com cítaras por parte de George e cativantes backin' vocals de Paul. As melodias combinadas de violão e cítara constrem um belo plano de fundo em uma romântica letra, onde Lennon canta sobre uma garota por qual é apaixonado e que o deixa pra baixo.
Seguindo com "I'm Looking Through You", com Paul na voz principal, Ringo executando orgão Hammond além da bateria, Lennon no violão e George na guitarra solo. Mais agitada que a anterior, com um refrão com guitarras crescendo. Os relacionamentos pessoais dão a tônica novamente: "Estou olhando através de você, onde você foi?/Pensava conhecê-la, o que eu sabia?/Você não parece diferente mas você mudou/Estou olhando através de você, você não é a mesma".
E eis aqui a música do álbum que faz páreo com "Nowhere Man": "In My Life". Com um piano de George Martin e um belíssimo solo de George, mas com destaque principal para a inspirada linha vocal de John Lennon e a letra existencialista da canção, onde ele reflete sobre vida, de lugares que já foi e de pessoas que conheceu, apesar de manter mais afeto por uma pessoa em especial: "Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto/por pessoas e coisas que vieram antes,/Eu sei que com freqüência eu vou parar e pensar nelas/Em minha vida, eu amo mais a você".
"Wait" traz o rock de volta, com o pandeiro de John e as maracas de Ringo realizando um trabalho percussivo com pegada obsessiva, com belas melodias de guitarra e vocalizações inspiradas, em uma letra romântica, com uma letra em que John pede para uma garota esperar por ele, para matar as saudades, depois de muita solidão sentida por parte do autor.
Segunda composição de Harrison surge com "If I Needed Someone", com vocais por parte do mesmo, apoiado por pandeiros, harmônica de George Martin e bem postos backing vocals. Harrison, romântico como nunca, declara "Se eu precisasse de alguém para amar,/Você seria aquela em quem eu estaria pensando/Se eu precisasse de alguém". As melodias simpáticas batem no ouvido e deixam o ouvinte com vontade de repetir a dose. As melodias que surgem após o refrão são fantásticas.
Fechando o álbum, temos "Run For Your Life", a mais agitada de todo o álbum, que conta a história de um cara para lá de ciumento, com uma deliciosa levada de violão acompanhando a letra: "É melhor você correr pela sua vida se você puder, pequena garota/Esconder sua cabeça na areia, pequena garota/Peguei você com outro cara/É o fim, pequena garota". Um grande final para um grande álbum.
Tudo bem que não é a cartilha de entrada para o mundo do psicodelismo e experimentação que "Revolver" foi e tampouco foi a despirocada consagração definitiva de "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band", mas é um marco. O primeiro passo para os Beatles alterarem de vez, dois anos depois, toda a história da música pop. E querendo ou não, é um dos melhores dos Beatles, ao lado dos já citados. Não é pecado nem erro dizer que é um dos melhores álbuns de transição já feitos.
Marcadores: Resenhas
10 Comments:
Um clássico, e ainda lançou a primeira música de Black Metal: Norwegian Wood.
Boa. Ótimo cd (como se tivesse algum ruim deles)
Eu jamais ouvi esse álbum, Bêr;a postagem realmente me cativou a baixá-lo.Estou curioso para ouvir as músicas com pandeiro;das que eu ouvi deles, nenhuma me decepcionou :D
aai ber eu adorei a resenha, escutando melhor, percebi que de fato, as influências 'hare hare' começaram no rubber, e nota-se isso 'if i need someone' descaradamente!
seu viciado em beatles d:
Excelente disco. Os Beatles foram na contra-mão até nisto: começaram comerciais e foram partindo para coisas melhores e menos comerciais.
Abraço,
Luis
luismilanese.wordpress.com
E por acaso existe algum álbum dos Beatles que não seja "o melhor"?
ótima resenha, de um disco ótimo, como sempre =D
Puxa, genial!!!!!
Não adianta, os Beatles são os Beatles, e como já foi dito acima, nada deles deixa de ser perfeito!
CAMPOS DE COGUMELOS ALUCINÓGENOS PARA SEMPRE! \o/
"Rubber soul" é demais.
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