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    quinta-feira, julho 05, 2007
    Jefferson Airplane - Surrealistic Pillow


    Primeiro foi Orson Welles. Em 1938, o genial roteirista, ator, diretor e produtor transmitiu pelo rádio uma adaptação do livro "A Guerra dos Mundos", do mestre da ficção científica H.G. Wells. Tal tranmissão narrava a chegada de estranhos seres vindos de outro planeta em aeronaves ainda mais esquisitas e o acionamento do exército para deter a invasão extraterrestre causou pânico na população, já que os ouvintes realmente acreditaram que a Terra estava sendo invadida. No dia seguinte, todos queriam saber quem tinha sido o tal desnaturado que pregou uma peça em escala tão grande. A fama de Welles começava a despontar, o que abriria portas para que três anos depois filmasse sua obra-prima máxima, "Cidadão Kane" - mas essa história fica para outro dia...

    Vinte e nove anos depois, o perigo ficou mais real. Multidões de jovens norte-americanos eram mandados ao Vietnã para matar qualquer nativo que se pusesse no caminho. Essa Segunda Guerra de Mundos, entre um Ocidente desenvolvido e opressor e um Oriente pobre e rebelde, ao invés de causar pânico na população, tornou-a um pouco mais... peculiar, digamos assim.

    Nascia o movimento psicodélico, e com ele as múltiplas reações de jovens de todo o mundo. Primeiro, um poeta dark e sua banda, que atendiam pelo nome de The Doors, lançaram seu primeiro álbum com a sexual e ilícita "Light My Fire" como seu principal hit. Novaiorquinos chegados em cantar sobre heroína, sadomasoquismo e assassinato juntam-se a Andy Warhol e gravam "The Velvet Underground & Nico". Um negro canhoto e autodidata exibe um monte de distorções chocantes para o grande público e pergunta, "Are You Experienced?". Frank Zappa chama a atenção de todos com sua musicalidade pouco óbvia e sua ironia ácida. John Phillips, do The Mamas & The Papas, inventa o festival Monterey, onde autênticos doidões da época, como Byrds, Grateful Dead, Buffalo Springfield, a musa do berro Janis Joplin e os selvagens do The Who se apresentaram mostrando que algo estava acontecendo. Quase que simultaneamente ao festival, quatro jovens da cidade portuária de Liverpool, Inglaterra, lançam um disco intitulado "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" e racham a música pop em antes desse disco e depois desse disco. Um antigo rival, Brian Wilson, líder do Beach Boys, que no anterior havia maravilhado a todos ao alcançar a perfeição do pop em "Pet Sounds", teve um colapso nervoso ao se sentir derrotado por esse disco e desiste da música. O circuito underground inglês revela ao mundo o Pink Floyd e o seu "The Piper At The Gates Of Dawn", um dos principais discos do movimento psicodélico e uma das bases do rock progressivo. Até os Rolling Stones, selvagens e básicos que eram, tentaram a sorte com "Their Satanic Majesties Request". O ícone comunista Che Guevara é assassinado e estréia o emblemático musical "Hair", que pregava a libertação da mente e subversão aos valores burgueses antiquados. Estava inaugarada a Era de Aquário. As águas desaguaram em solo brasileiro, nascendo daí a Tropicália, os Mutantes e os discos psicodélicos de Gal Costa e Ronnie Von. Aí sim que o plano maligno de Orson Welles foi concretizado, levando a população ao pânico xenofóbico e o choque de valores.

    Mas esses ETs todos não surgiram do nada. Todos chegaram liderados por um avião multicolorido e cheios de desenhos aparentemente não compreensíveis. Esse partiu do mundo colorido de São Francisco, onde habitavam Jerry Garcia e seu Grateful Dead, e recebia o nome de Jefferson Airplane, um dos primeiros a decolar. Essa nave era tão exótica que não usava gasolina, e sim, a dietilamida do ácido lisérgico, LSD. O problema é que, às vezes, o combustível causa alguns efeitos colaterais, deixando o mundo mais colorido do que o motorista realmente deseja ver... Syd Barrett, principal motorista da nave Pink Floyd quando a mesma estava em um "Interestellar Overdrive" que o diga...

    Então, depois dessa introdução que foi uma viagem só (se é uma bad trip ou não, o leitor decide), vamos aos fatos concretos: inspirados por Beatles, Byrds e Lovin' Spoonful, o vocalista Marty Balin, a cantora contralto Grace Slick, os guitarristas Paul Kantner e Jorma Kaukoner e a cozinha do baixista Jack Casady e o baterista Spencer Dryden surgiram como o Jefferson Airplane, um dos grupos mais relevantes daqueles desbundados anos.

    Três fatores foram necessários para que a banda fosse notada no mainstream: primeiro, a participação no festival Monterey; segundo, a aparição no The Ed Sullivan Show, onde a banda foi inovadora no uso da Chroma Key, a famosa técnica de se apresentar sobre um fundo azul ou verde, para que a cor seja anulada através da sobreposição de uma imgem, no caso da banda, luzes psicodélicas, que devem ter fascinado os jovens espectadores e causado uma repulsa sem precedentes nos conservadores adultos; e por último, trazendo todos os seus sonhos e pensamentos irreais à tona, o sexteto liberou seu maior clássico para o público deitar e rolar em viagens que até deus duvida. O nome não podia ser mais apropriado: "Surrealistic Pillow", nome sugerido pelo produtor Jerry Garcia, que disse que o disco era tão surrealista quanto um travesseiro. Talvez justamente pela banda não ter entendido que o disco ganhou esse nome...

    O disco é iniciado já peculiar e espantosamente, pela música "She Has Funny Cars". Já chamando a atenção com uma batida meio tribal, um riff de guitarra hipnótico e as vozes de Marty e Grace em um chapante dueto que guia a música até o forte refrão, para que então o ciclo recomece de novo. "Se você ver preto/Você não pode olhar pra trás/Você não pode olhar pra frente/Você não pode encarar o amanhã", diz a letra em tom de alerta, tratando sobre a visão externa do caso de uma pessoa perdida em sua própria alienação.

    "Quando a verdade parecer mentira/E toda a alegria dentro de você morrer/Você não quer alguém para amar?". Esse é o mote que introduz um dos principais clássicos do grupo, "Somebody To Love". Ainda psicodélica, a música é guiada por um ritmo forte e truculento, enquanto a voz de Grace viaja pela tristeza dos versos até encontrar com a voz de Marty no desesperado refrão, e por vezes guitarras rugem e trovejam em distorções, por vezes mergulham o ouvinte em um delírio melódico em solos de se cair o queixo.

    A doce "My Best Friend" não tem outra definição: é totalmente Beatles, a não ser pelo vocal feminino acrescido. As belíssimas linhas vocais, as doces harmonias de cordas, a letra totalmente "paz e amor", o refrão mágico de tão pueril... Mas não é plágio, e sim, influência: a banda ainda acelera várias vezes o ritmo na balada, apenas para voltar ao doce chorus, fazendo isso uma assinatura pessoal.

    "Today" é outra balada, mas sem o delírio Beatle da anterior. A música em questão é pontuada por uma relaxante melodia de guitarra, um pandeiro golpeado insistentemente e um refrão cheio de melodias e vocalizações belíssimas. É o momento em que a banda invade a praia de Brian Wilson para também compor uma doce balada hippie de amor.

    A seguinte é "Comin' Back To Me", iniciada por agradáveis melodias de guitarra, mostrando que a banda não era apenas um caldeirão insano e frenético de psicodelia; uma delícia folk, misturando romance e déjà-vu, em uma letra tão bonita quanto misteriosa, em pouco mais de cinco minutos, onde Balin dá um show de interpretação, fazendo da sua voz um dos principais destaques da música. Estranhamente, é um dos poucos discos em que três baladas seguidas não se mostram algo chato, e sim um interessante interlúdio.

    "3/5 Of A Mile In 10 Seconds" é o retorno da banda ao rock. As guitarras elétricas voltam tensas e decididas, equilibrando-se em uma forte cozinha, e chega cereja do bolo com as grudentas vocalizações. As melodias chegam a lembrar os primeiros discos de Frank Zappa, e o solo ácido é outra viagem, além da neurótica e anti-social letra, onde cansado de toda a paranóia urbana, Marty quer ir para um lugar tranquilo. Uma das canções que explicam o porque do destaque do Jefferson Airplane entre tantas outras.

    E não pára por aí. "D.C.B.A. 25" é introduzida por um ótimo baixo de Casady, em uma canção em um ritmo mais cadenciado, e os dois vocalistas mais uma vez repartem a letra de forma impressionante. Menos ácido e digamos, mais místico, o solo é o mais relaxante entre todos que foram apresentados até agora. Agora dão espaço para a letra viajar, com suas inúmeras metáforas, e estrofes que deixariam Jack Kerouac com um sorriso no rosto.

    É um viajante som de flauta que abre "How Do You Feel", soando como uma música dos quatro de Liverpool tendo o tal instrumento em questão ao invés de gaitas, acrescentando uma variação pequena, porém funcional, desbravando um novo terreno sem deixar de olhar para os já conhecidos. Marty conta de quando encontrou uma garota que a deixou simplesmente em êxtase só de tê-la no seu campo de visão. O final a capella é outra pérola brilhando aos ouvidos.

    "Embryonic Journey" é um instrumental ao violão que enche os ouvidos. Sem dúvida, a dupla das sete cordas do Jefferson mereciam um destaque maior na história da música sessentista. Simples e direto, uma passagem perfeita entre o pop de Pã e o delírio de Lewis Carroll.

    Fortemente inspirada no Bolero de Ravel, entra o maior clássico do grupo, "White Rabbit", que surge com um baixo repetitivo, uma bateria marcial e acordes fracos, abrindo espaço para Grace cantar "Uma pílula deixa você maior/E uma pílula deixa você menor/E aquela que a sua mãe te dá/Não faz efeito nenhum". E não, caros cinéfilos, não é mera coincidência: sem o Jefferson Airplane, dificilmente a revolucionária trilogia de ficção científica "Matrix" existiria; inclusive, o nome do filme vem de uma casa de shows em São Francisco onde a banda tocou ao vivo pela primeira vez. A música parte de sua estrutura hipnótica que cita um trecho de "Alice no País das Maravilhas" para um colosso de poder e intensidade ao seu final, quando Grace abusando do volume do gogó, cita o rato silvestre com toda a força dos pulmões: "Alimente a sua cabeça". Se nem a Disney conseguiu diminuir a lisergia da história que tem uma lagarta que fuma cachimbos orientais, o Jefferson Airplane fez o que pôde para amplificar mais ainda.

    "Plastic Fantastic Lover" parte do dedilhado para um riff fora de órbita e vocais em tom de ousadia, para contar a irônica história de um homem apaixonado por uma boneca inflável e toda a sua fisionomia. O cara nem ao menos imagina nenhuma outra mulher para ser sua 'fantástica amante de plástico". Recheados de sons misteriosos e engraçadinhos, a banda fecha o álbum com chave de ouro. Pensando melhor, não. Chave de ouro é muito careta, e muito burguesa. É uma chave feita de materiais extraídos da natureza, toda colorida. Total desbunde!

    E o avião de Jefferson gostou de onde pousou, tanto que continuou nessa terra mais estranha que qualquer
    planeta que exista além Via Láctea. Pena que com o tempo, o avião foi dando sinais de desgaste, trocando de couraça, de forma, de tripulação e de nome, passando por Jefferson Starship, Starship e Jefferson Starship The Next Generation, provavelmente acompanhando as evoluções da ficção científica. Mas foi quando tinha a forma do veículo inventado por Santos Dumont que a banda fez mais sucesso. Qualquer um que escuta o disco se sente um vivo agradecido por escutar esse fruto da união de doidonas cabeças inventivas com a produção de Jerry Garcia.

    Então, bicho, não dê bandeira, faça um agito e dê uma sacada nesse disco, que o barato é mesmo limpeza. Podes crer.

    Marcadores:

    posted by billy shears at 10:06 AM

    7 Comments:

    Blogger natália; disse:

    Só conheço White Rabbit desse álbum, que é uma ótima música. Bem psicodélica, lembra Velvet Underground às vezes.

    Pela resenha, fiquei meio curiosa, vou baixar o disco :D

    Bejo bêr :)

    3:52 PM  
    Blogger Carmem Luisa disse:

    Saquei, saquei. Influenciado por ótimas bandas e mais ácido e mais as coisas que tanto gostamos. E quase duvido que isso realmente existiu, bicho. É fantástico - ou psicodélico - demais, bish.
    Agora, seu puto, fiquei com vontade de ouvir o disco.
    Enfim, depois de meia hora de introdução à resenha, quem não ficaria contente em saber mais e mais desse mundo rock 'n' roll? *olhinhos salientes piscando*

    3:31 PM  
    Blogger Gabriel M. Faria disse:

    Caralho, Bêr, vá tomar no olho do seu cu peludo, seu veado de merda.

    Definitivamente, a melhor introdução de um texto do Dangerous Music (e o pior epílogo, também HAHUHAUHAUHAUHAUAHUHAUHAHAHHUAHUHAUAH), enfim.

    Uma resenha à altura do material resenhado.

    12:14 AM  
    Anonymous Anônimo disse:

    Ao menos a "White Rabbit" é foda o/
    Vou procurar pra baixar =B

    1:53 PM  
    Anonymous Anônimo disse:

    vo pegar isso beijomimliga.

    2:06 PM  
    Anonymous Anônimo disse:

    muito boa, ber
    adoro jefferson!
    "beeeer, baixe jefferson airplane"
    -3 meses antes

    1:34 PM  
    Blogger Unknown disse:

    talvez eu procure
    é que essas psicodelias antiguinhas (nem as eletrônicas moderninhas) fazem meu tipo :B

    2:51 AM  

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