Nick Cave é único. Genial, carismático, excêntrico, acidamente humorado, soturno, entre muitos outros adjetivos. Prestes a fazer cinqüenta anos no mundo e há mais de 30 anos no mercado fonográfico, esse australiano já tocou em muitas bandas, como Boys Next Door, The Birthday Party e a atual Grinderman. Mas a mais durável e marcante - onde ele criou suas melhores composições - atende pelo nome de Nick Cave & The Bad Seeds.
A banda supracitada e alvo dessa atual resenha, para quem conhece, só ajuda a confirmar o quanto Nick é uma figura rara na música pop. Leva uma carreira praticamente sem manchas e recheada de obras-primas. Sua música não deixa espaço para meio termo. É blues, rythm & blues, country, rock and roll, baladas sinistras, pós-punk, forte, direto, furioso, intenso, emotivo, tocante, podendo tanto ultrajar como extasiar o ouvinte, nunca deixando espaço para um rótulo ou definição apenas. As letras não são apenas um complemento, é um componente essencial da música - a voz sepulcral do cantor discorrendo sobre Deus, morte, amor, religião, arrependimento, culpa, desespero e tantos outros assuntos de forma extremamente singular é algo que inevitavelmente prende a atenção.
E o disco que fez o mundo prestar atenção em Nicholas Edward Cave se chama "Tender Prey", de 1988, considerado o grande clássico dos Bad Seeds. Era o primeiro disco de uma nova formação dos Bad Seeds - Nick Cave no vocal, gaita, órgão e piano, Mick Harvey no baixo, guitarra, xilofone e percussão, Blixa Bargeld e Kid Congo Powers nas guitarras, Roland Wolf no órgão e no piano e Thomas Wylder na bateria e o início de uma nova fase da vida de Nick; depois de dedicar o disco ao falecido ator Fernando Ramos da Silva, que estrelou o filme "Pixote" de Hector Babenco, sendo esta película um dos filmes preferidos de Nick, o músico resolveu fazer uma turnê no Brasil, e chegando aqui, apaixonou-se por uma brasileira chamada Viviane Carneiro, casando-se com ela. Esta obra-prima também representa o momento em que todos os Bad Seeds começaram a participar da composição do disco, ao invés da hegemonia de Nick nos discos anteriores.
O que dá início a tudo é "The Mercy Seat", uma das melhores músicas já compostas por Nick, tanto musicalmente quanto liricamente. Uma peça de mais de sete minutos, e uma das letras mais perfeitas já escritas. Nick começa a narrar em tom quase sussurrante que foi aprisionado e posto no Corredor da Morte. Eis que surge uma montanha de força para guiar a música enquanto Cave canta versos chocantes da quilométrica letra, descrevendo todas as ações do condenado e suas emoções antes de ser eletrocutado. Da coragem à incerteza, o passo-a-passo da fatídica punição, como se nós mesmos estivéssemos ali, ouvindo o policial e o padre dizerem nossas últimas palavras que ouviremos em vida. E como se não bastasse só o fato da música ser maravilhosa, doze anos depois ela ganharia uma versão do eterno homem de preto Johnny Cash, tão desesperadora quanto a original, mas não tão instrumentalmente intensa.
A seguinte é "Up Jumped The Devil" onde o vocal de Nick Cave encontra-se mais sinistro que nunca, acompanhado por uma bateria com bastante pegada, um coral de vozes surpreendente e um piano que, mesmo com sua beleza harmônica, imprime um tom sufocante à música. Durante seus cinco minutos, outra história igualmente forte é contada, desde o nascimento, em que a mãe do garoto opta por morrer para que ele possa viver, e cresce em um ambiente decadente, tornando-se um garoto visto com maus olhos, conhecendo alguém que aprecia, indo beber em uma casa, até ser atacado por alguém igual a ele, perdendo sua alma e encontrando a morte, chegando ao fim versando sobre sua ida eterna e sem volta ao inferno. Perfeita.
"Deanna" é uma das mais animadas do disco. Rythm and blues nostálgico e dançante, mas liricamente, dessa vez, o papel é invertido. Dessa vez Nick Cave faz o papel de executor de uma garota, pouco se importando se ela é amiga ou companheira dele, passo a passo, toda uma ambientação é construída, para que Nick Cave cante no pré-refrão: "eu não estou aqui pelo seu dinheiro/eu não estou aqui pelo seu amor/eu não estou aqui pelo seu amor ou dinheiro/eu estou aqui pela sua alma". A canção termina em suspenso, repentinamente, o que só confirma a definição de baque auditivo.
Quarta canção, "Watching Alice", uma música das mais tristes tocada com maestria no piano, onde Cave demonstra toda a sua enorme capacidade vocal, com a letra mais passiva até então, mas nem por isso menos forte; Ele descreve a vida de um voyeur obcecado por observar uma mulher por quem está apaixonado e obcecado. E após um belíssimo solo de gaita, Nick continua a cantar, até resumir toda a canção em "isso é tão depressivo, é verdade...".
"Mercy" começa grave e forte, criando certo clima de suspense, crescendo com o tempo, mas isso não deixa a canção menos mórbida que sua introdução. Aqui é ouvido um dos refrões mais marcantes do álbum e sinceros do álbum, em meio a uma letra desesperada, que parece ser ambientada na Idade Média, onde o personagem principal foi abandonado por seus companheiros, tem escassos recursos e a única arma que tem é a fé. Tal história vai se deteriorando toda vez que o refrão chega, e a banda canta funestamente implorando por piedade.
A gaita entra cortando nossos ouvidos, as guitarras começam em baixo volume, Nick começa a cantar "é melhor você correr" repetidamente. As guitarras vão ganhando volume. "É melhor você correr". Está iniciada a impressionante "City Of Refuge", que utilizando o recurso da repetição estrutural e uma letra neurótica e arrasadora sobre uma vida submissa e suja, e Cave afirma que nenhum problema irá se resolver e tenta dar um último conselho. Sinistra e cadenciada e mesmo assim dando uma sensação de movimento constante. Uma corrida desesperada, de medo, aquelas que por mais que você empregue forças, continuará parecendo que tudo se move em câmera lenta.
"Slowly Goes The Night" é uma surpresa, um doce no meio de amargura. Aquelas baladas jazz com linhas vocais bem emotivas. Pode até soar meio brega nesses anos tão descolados, mas qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade é arrasado pela música e sua tão triste quanto bonita letra de amor. A versatilidade de Nick Cave mais uma vez nos deixa perplexos.
Notas são tecladas de maneira tétrica por cima de um preenchimento grave e pesado, abrindo "Sunday's Slave", onde com sua entonação característica, Nick canta uma história bastante metafórica, misteriosa e sufocadora, falando sobre os escravos de cada dia, também abrindo espaço para falar sobre depressão e morte. Chega a níveis amedrontadores, até.
"Sugar Sugar Sugar" é a mais psicótica do álbum, onde a bateria ganha força extra, e Nick declara muito cinicamente para uma garota que ela é muito inocente e ele, uma má pessoa. Ele parece enxergar ele mesmo e a cidade como algo que corrompe ela e todas as garotas, com poucas mudanças na estrutura, sempre reforçando o conselho que é melhor a garota rezar.
A última música do álbum também tornou-se encerramento para os shows dos Bad Seeds. Ganha o nome de "New Morning", e após tanta tristeza, morte, depressão, desespero, cinismo, decadência, amor rasgado... Revela-se um dos diamante do álbum, um diamante brilhante. Suas belíssimas harmonias instrumentais dão a música quase um significado para nos fazer refletir: mesmo com todos os fatos citados acima, ainda resta esperança. Ou tem de restar, para que a linha que separa dois mundos não seja cruzada. "Não vai haver tristeza/Não vai haver dor/Não vai haver estrada/Não haverá estrada tão estreita/E isso é hoje/Para nós". Pode até parecer irônico vindo de uma figura sombria feito Nick Cave, mas ao longo da sua carreira, ele já provou que nunca pode ser rotulado, nunca pode ser visto apenas como um conceito limitado.
Nick nunca teve um público muito grande, é verdade; mais uma prova que as grandes massas nem sempre são justas com os gênios; mas os que tiveram acesso a tanto material descobriram um mundo de sentimentos opostos, sincero e sem nenhuma falsidade. Há realismo, tesão, vida, emoção e sangue em cada composição de Nicholas Edward Cave. O fato é que poucos podem ser chamados de gênios, e o australiano integra este seleto grupo. E todas as linhas que estão escritas aqui pouco valem se o leitor não procurar ouvir e sentir cada emoção descrita aqui. Tudo é forte demais para compreender apenas com a descrição, é preciso sentir na pele, e decibéis contam mais que palavras nesse caso.
Thank you for giving this bright new morning.
Notas são tecladas de maneira tétrica por cima de um preenchimento grave e pesado, abrindo "Sunday's Slave", onde com sua entonação característica, Nick canta uma história bastante metafórica, misteriosa e sufocadora, falando sobre os escravos de cada dia, também abrindo espaço para falar sobre depressão e morte. Chega a níveis amedrontadores, até.
"Sugar Sugar Sugar" é a mais psicótica do álbum, onde a bateria ganha força extra, e Nick declara muito cinicamente para uma garota que ela é muito inocente e ele, uma má pessoa. Ele parece enxergar ele mesmo e a cidade como algo que corrompe ela e todas as garotas, com poucas mudanças na estrutura, sempre reforçando o conselho que é melhor a garota rezar.
A última música do álbum também tornou-se encerramento para os shows dos Bad Seeds. Ganha o nome de "New Morning", e após tanta tristeza, morte, depressão, desespero, cinismo, decadência, amor rasgado... Revela-se um dos diamante do álbum, um diamante brilhante. Suas belíssimas harmonias instrumentais dão a música quase um significado para nos fazer refletir: mesmo com todos os fatos citados acima, ainda resta esperança. Ou tem de restar, para que a linha que separa dois mundos não seja cruzada. "Não vai haver tristeza/Não vai haver dor/Não vai haver estrada/Não haverá estrada tão estreita/E isso é hoje/Para nós". Pode até parecer irônico vindo de uma figura sombria feito Nick Cave, mas ao longo da sua carreira, ele já provou que nunca pode ser rotulado, nunca pode ser visto apenas como um conceito limitado.
Nick nunca teve um público muito grande, é verdade; mais uma prova que as grandes massas nem sempre são justas com os gênios; mas os que tiveram acesso a tanto material descobriram um mundo de sentimentos opostos, sincero e sem nenhuma falsidade. Há realismo, tesão, vida, emoção e sangue em cada composição de Nicholas Edward Cave. O fato é que poucos podem ser chamados de gênios, e o australiano integra este seleto grupo. E todas as linhas que estão escritas aqui pouco valem se o leitor não procurar ouvir e sentir cada emoção descrita aqui. Tudo é forte demais para compreender apenas com a descrição, é preciso sentir na pele, e decibéis contam mais que palavras nesse caso.
Thank you for giving this bright new morning.
Marcadores: Resenhas
6 Comments:
Legal, Bêr.
Esses australianos parecem saber fazer música.Também tem os caras do AC/DC, mas, essa resenha do Nick Caverna e as Sementes Estragadas me deixou com vontade de ouvir :P
Aliás, o sujeito da capa é, não menos que Fuckin' Franky Four Fingers, do Statch!
Que seja.Vou correndo ali baixar o álbum.
Away!
bahhh =/
Não conheço muito não. Mas esse álbum parece ser bom pra caramba.
Vou baixar também :)
á merda! não conheço!
vou baixar!
HÁ!
nunca ouvi muita coisa dele, só conheço os clássicos, mas é legal sim!
mas não vou baixar, haha!
Conheço um pouco do Nicholas, e esse pouco me faz concluir que ele é, na pior das hipóteses, um gênio.
Quando estiver com o HD limpinho, baixarei este e outros álbuns do cara.
=D
nao conheço nada dele...vou baixar
boa review
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