Obras atemporais não tem esse adjetivo à-toa. O que é necessário para que depois de quase 40 anos um disco ainda consiga chocar quem o ouça? "The Piper At The Gates Of Dawn", de 1967, disco que compete com os Beatles a paternidade do progressivo e a consolidação do psicodélico, não é apenas mais outro disco. Quem é fã de Pink Floyd sabe muito bem disso. Quem não é... Passa a ter a mesma opnião depois de ouvir trinta segundos do disco. E não consegue mais parar de ouvir.
Assim como o disco, o seu principal compositor, o guitarrista e vocalista Roger Keith "Syd" Barret", o "diamante louco" não era apenas um outro músico psicodélico que caminhava pela terra da Rainha. Com uma genialidade que saía em torrentes de seu cérebro cheio de LSD, Syd era, além de músico, poeta, pintor e artista performático. Ao transformar a banda Sigma 6, formado pelos até então desconhecidos alunos de Arquitetura em Cambridge, Roger Waters (baixista e vocalista), Rick Wright (tecladista e pianista) e Nick Mason (baterista) no Pink Floyd Sound, que mais tarde viria a ser abreviado para Pink Floyd (o nome vinha de dois músicos de Blues que Syd Barret era fã confesso: Pink Anderson e Floyd Council), Syd começou a escrever seu nome e o da banda na história da música contemporânea .
Ao lançar esse disco em 1967, gravado nos estúdios Abbey Road, muitas pessoas já seguiam a banda como se seu som e suas performances fossem uma nova doutrina. A estrutura caótica dos arranjos e a imprevisibilidade de andamentos tornam esse álbum uma experiência inusitada até os dias de hoje, a cada nova audição. As letras, passeando em um mundo de espantalhos, gnomos, bicicletas e contos de fada, ainda assustam por nunca se ter uma compreensão total das mesmas.
"Astronomy Domine" deixa o ouvinte perplexo, assustado... Fascinado e hipnotizado. A voz soturna e astral de Barret dá o tom ao falar de planetas, personagens e cores. A canção é marcada por reviravoltas que passam a imagem de luzes piscando ao ritmo do som, que logo descambam em doces melodias de teclados e guitarras, com a pulsante bateria de Nick ao fundo. Após tanto tempo, a canção ainda soa ousada, ainda parece que você nunca ouviu nada igual. Talvez seja por isso mesmo: porque nunca houve nada igual.
A viagem continua em "Lucifer Sam", com sua melodia chapada de guitarra, o ótimo groove de Waters e os teclados de Rick combinando em um ritmo mais acelerado que a anterior, e com um refrão inesperado e melódico. A música fala do gato de um amigo de Barret, Nigel Gordon, que morava com Syd na época. O gato, na verdade, se chamava Elfie, e fascinava o líder da primeira fase do Pink Floyd por ele não conseguir entender o comportamento do animal.
Outra que emociona é "Matilda Mother", que cativa pelas melodias totalmente viajantes do teclado de Rick, o baixo pulsante e os vocais distantes e aparentemente em êxtase de Syd. Uma seqüência de músicas que você não consegue ouvir sem ficar boquiaberto. Uma música que contrai e expande seu ritmo mais de uma vez, com um conto sobre um rei recebendo uma notícia, e logo em seguida, um garoto pedindo para a sua mãe contar mais histórias.
"Flaming" já é inesperada desde o seu início: uma abertura que poderia ser posta em um filme de terror dos mais sombrios, que abre espaço para um momento luminoso e feliz, com teclados voando através da sua audição até a mente, com Barret cantando: "Fluindo através dos céus estrelados/Viajando pelo telefone/Ei! oh! aqui vamos nós/Nunca tão alto" . Nesse momento, a mente do ouvinte já saiu de órbita, passou pelo Triângulo das Bermudas e foi dançar em uma lua de Júpiter.
Seguindo, "Pow R Toc H", um tema instrumental de pouco mais de 4 minutos, cheia de indas e vindas inusitadas, teclados, cordas e cozinha compondo um clima totalmente doidão, com apenas alguns ruídos vocais produzidos pelos integrantes. Espacial.
"A música parece ajudar a dor/Parece motivar o cérebro/Doutor, gentilmente conte a sua mulher/Que eu estou vivo" Dizem os vocais de volta em "Take Up The Stethoscope And Walk", marcada por uma forte percussão e tom irônico nos vocais (aliás, essa é única composição exclusiva de Roger Waters no disco... E a única que Barret não tomou conta de parte ou de toda a composição). O teclado de Rick Wright está mais do que insano e fascinante aqui.
"Interestellar Overdrive" é uma instrumental de quase dez minutos onde a banda toda desfila toda a doidera que possuíam na época em uma canção cheia de camadas e nuances caóticas, obrigando o ouvinte a prestar atenção em mais de um detalhe ao mesmo tempo! Da felicidade chapada à morbidez lisérgica, a banda convida o ouvinte a passear por um mundo jamais visto pelos homens que nunca ficaram sob efeito do poderoso (e conhecido) ácido. No sentindo mais literal da palavra... Viajante. No sentido mais literal da palavra.
Barret volta a dominar o campo sonoro com "The Gnome", uma música de sonoridade polida e positiva, onde as nuances caóticas não chegam a causar traumas e nós no cérebro... Pelo contrário... Compõem uma bela e divertida música, com Syd contando sobre seu encontro com um gnomo (!). Mais do que mágica, uma música que provavelmente foi a trilha sonora de muita gente que conheceu na época (tá, e depois também!)...
"Chapter 24" é onde os teclados de Wright atingem algum de seus melhores momentos, discretos, soturnos, porém com uma melodia instigante, assim como os vocais e a letra, totalmente mística: "Todo movimento é completado em seis etapas,/E a sétima traz a volta/O sete é o número da jovem luz/Forma-se quando a escuridão é acrescida por um/Pôr do Sol/Nascer do Sol". A bateria sendo golpeada em largos espaços de tempo deixa a música mais lisérgica ainda.
E quando o ouvinte já perdeu a noção de tempo, espaço, realidade, coerência... Barret ataca em "Scarecrows", cantando sobre espantalhos. A música é cheia de detalhes mágicos, entre belas melodias, percussão repetitiva, a voz marcante de Syd Barret e o tema totalmente nonsense, que parece falar sobre o cotidiano do espantalho.
"Bike" fecha o disco de forma inusitada, com suas melodias inesperadas que parecem sumir e aparecer, e os vocais de Barret, contando uma história musicada, que você às vezes ouve em sua plenitude... Para então ter que colar o ouvido no rádio (vitrola, CD-player, MP3 player, Ipod, enfim...) para poder entender. Para então ver a música crescer de novo, com uma nova cara e uma nova textura, nada a ver com seu início. Na letra, o autor convida uma garota para andar na bicicleta dele, e para impressioná-la, diz fazer parte de um clã de homens-de-gengibre (hein?). E o disco acaba da mesma forma que começou: sem você nem perceber, te pegando totalmente de surpresa.
Pouco depois, Syd Barret seria afastado da banda devido ao seu envolvimento com drogas que já estavam deixando-lhe esquizofrênico, sendo substituído por David Gilmour, e o resto da história todos os fãs do Floyd conhecem. Durante as gravações do disco "Wish You Were Here" (ironicamente dedicado a ele), Syd apareceu no estúdio, gordo, maltrapilho e com a cabeça raspada. Ficou assistindo as gravações e só foi reconhecido pelos companheiros de banda horas depois. E essa foi a última grande notícia que o mundo havia recebido de um dos caras mais loucos em toda a história do Rock... Até o dia 11 de julho desse ano, quando o mundo é atingido pela triste notícia que Barret, após viver o resto da sua vida com a mãe dedicando-se à pintura e jardinagem em Cambridge, morreu aos 60 anos, em decorrência de diabetes.
Nada mais justo do que nos juntarmos ao imenso time de artistas que já prestou homenagens à esse músico ousado, os quais incluem Joe Lynn Turner (ex-Rainbow e Deep Purple), Bob Daisley (ex-Ozzy), Bruce Johnston (Beach Boys), Jimmy Fox (James Gang), David Bowie, Alice Cooper, Steve Savale (Asian Dub Foundation), os Red Hot Chili Peppers e claro, Roger Waters e os demais antigos companheiros do cara que soube como impressionar as pessoas por um pouco tempo para então expandir seu campo de influência para tudo que se chama experimental hoje em dia. Sem Barret, não haveria psicodélico, progressivo, ou música caótica e sem estrutura definida que tantos amam. Assim como toda grande e admirável figura, e também pessoa querida que se vai, Syd nunca morrerá. Por maior que fosse a nossa vontade que ele estivesse aqui, ele foi para o seu mundo encantado e está esperando seus amigos e fãs por lá...
Continue brilhando, seu diamante louco...
Marcadores: Resenhas
9 Comments:
pus é...pink floyd é sempre bem vindo.**
otima resenha!
pink floyd eh foda... syd marcou...
flw abraços
Ok, Bêr, essa foi a melhor resenha que eu já li O:
E esse disco é realmente, foda, cara! O:
Psicodélico extremo o/
E o diamante louco vai deixar saudades, mesmo
e ai Ber..
Cara, tu caprichou na resenha! Muito boa mesmo. E quanto ao The Piper At The Gates Of Dawn, é o álbum mais FODA de Rock que eu já escutei. Esse disco é ótimo do primeiro minuto até o último.
ótimo post. :)
Piper é foda, ficou bem legal a resenha =D
Tá, cara. A resenha tá foda, tão foda quanto o álbum que resenha (cacófato). Porque Pink Floyd é sensacional e The Piper At The Gates of Dawn é LSD puro, psicodélico e colorido, mas sem a esquizofrenia ou a dor de cabeça interminável.
AMO PINK FLOYD!
Essa resenha tá muito boa!
E que o diamante nunca perca seu brilho!
Abraços e beijos!
Shine on you Crazy Diamond...
Meu tio tem esse disco, eu ia pegar ele + fiquei com uma preguiça desgraçada
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