A essa altura, todo brasileiro que não é ruim da cabeça nem doente do pé deve saber: “Samba Esquema Novo” foi que nem “Chega de Saudade”. “Tropicália ou Panis Et Circenses” e “Secos & Molhados I” foram que nem “Samba Esquema Novo”. Arroubos de genialidade juvenil, uma quebra com os paradigmas anteriores, discos de musicalidade exuberante e perfeita... Às vezes, inacreditavelmente perfeita.
Carioca da gema, o lendário Jorge Ben é simplesmente um dos músicos brasileiros mais influentes surgidos na segunda metade do século e responsável por uma gigantesca de pérolas clássicas há mais de quarenta anos. Ben, assim como João Gilberto, reinventou a música da terra brasilis de forma profunda demais para que não se mereça uma digna passagem em qualquer enciclopédia sobre os sons tupiniquins. E tudo isso começou com esse disco.
Ao final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, a música brasileira atingiu uma nova era de ouro - Após a explosão da bossa nova, um admirável mundo desconhecido em matéria de música surgia aos ouvidos de público e crítica.
Apesar da relutância inicial da crítica, o público tornou Jorge Ben um fenômeno instantâneo, vendendo horrores para a época e obrigando muitos críticos a reconsiderar seu “iluminado” senso para música ao dizer que Jorge fazia músicas de harmonias e letras simples por demais.
Pois “Samba Esquema Novo” era negro como o Brasil poucas vezes havia testemunhado, com a marcação envolvente do violão de Jorge ditando o andamento, dispensando o uso do contrabaixo por muitas vezes – melodia e ritmo eram resumidos em um único instrumento. Inovador, não se encaixava nos moldes da bossa nova nem do samba tradicional. As letras ainda que simples e assimiláveis iam do doído romance à evocação de deuses africanos, desfilando todo um típico cenário brasileiro, de tempestades torrenciais lá fora, de violões e pianos repousando em um canto, e uma rodinha de samba no quintal. Ben fazia o Brasil se sentir em casa sendo o mais singelo possível.
O disco é aberto pelo incrível e delicioso groove de “Mas, Que Nada!”. Jorge canta sobre a necessidade urgente de ir a um samba mais do que agitado, porque segundo ele “esse samba/que é misto de maracatu/samba de preto velho/samba de preto tutú” é simplesmente bom demais para que a pessoa queira chegar no final. E apenas a voz, ainda que de alcance limitado, é um fio condutor hipnótico e envolvente demais para ficar apático.
Ouvimos agora a única música que não é da autoria de Jorge no álbum, composta por João Mello, o cara que descobriu Jorge Ben. Batucando lata, “Tim, Dom, Dom”, entra com Ben dizendo que o “dim-dom” do violão bate que nem o seu coração. As cordas correndo alegres pela música dão suporte para a voz discorrer para uma mulher que inebria todos quando começa a sambar. E o tão animado samba (em novo esquema) de Ben acaba de forma crescente e arrepiante.
“Balança Pema” é outra música com um balanço irresistível, com Jorge cantando “Pois quando você sambalança/Sambalança meu coração também/Ele sambalança certinho/Juntinho com o seu vaivém”. E não importa, os dois podem ficar no mesmo processo até as sandálias da moça ficarem gastas e acabadas e os dedos estiverem calejados e doloridos. Corpo, música, coração: a via mais curta que existe.
Carioca da gema, o lendário Jorge Ben é simplesmente um dos músicos brasileiros mais influentes surgidos na segunda metade do século e responsável por uma gigantesca de pérolas clássicas há mais de quarenta anos. Ben, assim como João Gilberto, reinventou a música da terra brasilis de forma profunda demais para que não se mereça uma digna passagem em qualquer enciclopédia sobre os sons tupiniquins. E tudo isso começou com esse disco.
Ao final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, a música brasileira atingiu uma nova era de ouro - Após a explosão da bossa nova, um admirável mundo desconhecido em matéria de música surgia aos ouvidos de público e crítica.
Apesar da relutância inicial da crítica, o público tornou Jorge Ben um fenômeno instantâneo, vendendo horrores para a época e obrigando muitos críticos a reconsiderar seu “iluminado” senso para música ao dizer que Jorge fazia músicas de harmonias e letras simples por demais.
Pois “Samba Esquema Novo” era negro como o Brasil poucas vezes havia testemunhado, com a marcação envolvente do violão de Jorge ditando o andamento, dispensando o uso do contrabaixo por muitas vezes – melodia e ritmo eram resumidos em um único instrumento. Inovador, não se encaixava nos moldes da bossa nova nem do samba tradicional. As letras ainda que simples e assimiláveis iam do doído romance à evocação de deuses africanos, desfilando todo um típico cenário brasileiro, de tempestades torrenciais lá fora, de violões e pianos repousando em um canto, e uma rodinha de samba no quintal. Ben fazia o Brasil se sentir em casa sendo o mais singelo possível.
O disco é aberto pelo incrível e delicioso groove de “Mas, Que Nada!”. Jorge canta sobre a necessidade urgente de ir a um samba mais do que agitado, porque segundo ele “esse samba/que é misto de maracatu/samba de preto velho/samba de preto tutú” é simplesmente bom demais para que a pessoa queira chegar no final. E apenas a voz, ainda que de alcance limitado, é um fio condutor hipnótico e envolvente demais para ficar apático.
Ouvimos agora a única música que não é da autoria de Jorge no álbum, composta por João Mello, o cara que descobriu Jorge Ben. Batucando lata, “Tim, Dom, Dom”, entra com Ben dizendo que o “dim-dom” do violão bate que nem o seu coração. As cordas correndo alegres pela música dão suporte para a voz discorrer para uma mulher que inebria todos quando começa a sambar. E o tão animado samba (em novo esquema) de Ben acaba de forma crescente e arrepiante.
“Balança Pema” é outra música com um balanço irresistível, com Jorge cantando “Pois quando você sambalança/Sambalança meu coração também/Ele sambalança certinho/Juntinho com o seu vaivém”. E não importa, os dois podem ficar no mesmo processo até as sandálias da moça ficarem gastas e acabadas e os dedos estiverem calejados e doloridos. Corpo, música, coração: a via mais curta que existe.
Ainda convidativo, “Vem, Morena, Vem” entra suingando e criando espaço para Jorge cantar que nos cantinhos de sua casa existem amigos inseparáveis como o seu violão e seu piano, mas que sem a sua morena dançando para ele, não haverá música alguma. Doce e incansável, carente e apaixonante de forma absurdamente simples.
E ouso dizer: poucas vezes o século vinte viu um arroubo lírico e emocional tão grande como em “Chove, Chuva”, com sua letra carinhosa e protetora, suas melodias conquistadoras e um refrão para lá de poderoso, e que apesar de ser tão marcante, diz apenas para palavras doces como “por favor, chuva ruim/não molhe mais o meu amor assim”.
“Não adianta que eu não vou/Se lá não tem samba/Eu não vou não vou/Pois o que eu quero é só sambar”... Essa aí recebe o nome “É Só Sambar”, de início dedilhado e refrão que suaviza a música e dá oportunidade para as cordas voltarem a esgueirar para perto do ouvinte, fazendo o mesmo aceitar o convite de muito bom grado.
“Rosa, Menina Rosa” com o tempero percussivo mais forte que o normal, em que Ben, em divertida presunção, diz que mesmo que a tal da Rosa sambe muito, o samba de Jorge irá passa-la para trás. Mas diz para não se preocupar: “Meu samba tem mistério, mas é gostoso de sambar/Se você gosta de samba, você vai ter que balançar”. Precisa mesmo falar do nível de excelência da música se o próprio a assume?
Outra das pérolas do álbum, essa é a paradoxalmente balançada e melancólica “Quero Esquecer Você”. Com belíssimos versos como “Sei que não devo querer você tanto assim/Pois esse desejo é proibido para mim” e ainda pronunciando voxê ao invés de você no refrão, cria um clima de amor ingênuo, puro, quase infantil, que a sessão de sopros e as cantaroladas em falsete só reforça e maravilha.
“Uala, Ulala” se usa de inúmeras figuras e personagens para que o universo descrito por Ben faça pleno sentido aos ouvidos dos atentos, em que a música de instrumentação discreta e marcação forte pode ser resumida, como o próprio Jorge diz na letra, como um simples “lamento de amor”. Simples de fazer muitos se morderem de inveja.
Nostálgica, “A Tamba” é uma das músicas mais lentas e comoventes de todo o conjunto presente. Prolongando a palavra, cantando em falsete, lembrando dos tempos do samba que não voltam mais. Um esquema novo consciente, que não nega os antepassados, mas que não tem medo de vislumbrar o futuro.
É incrível como Jorge consegue ser ao mesmo tempo propositadamente e convincentemente pueril. “Menina Bonita Não Chora”, em que a batida é mais agitada, mas ainda assim é acompanhada de melodias que fazem o ouvinte lembrar de dias mais simples e mais felizes. Romântico devotado, Ben promete que “O meu amor é forte/Nele você pode confiar/Se você é triste, feliz você será”.
E quem dá o ponto final nesse clássico é “Por Causa de Você, Menina”. Amor platônico, não correspondido, voz pequena, sopros suingando, marcação pulsante... “Você passa e não me olha, mas eu olho pra você (...) Você por mim não chora, mas eu choro por você”... Sinceramente? Há de ser bastante revoltado com a vida (ou padecer de muita pose blasé) para não dar um sorrisinho, não se identificar e não cantar junto... Assim como o resto do álbum é simples, bonita e visionária. Tudo em uma música só. Combinar as três características não é pra qualquer um.
Assim como ouvindo o debut de 1959 “Chega de Saudade” de João Gilberto, você tem dúvidas de como que um disco tão simples instrumentalmente e nada complexo liricamente, com músicas durando em média dois minutos, pode abalar todas as estruturas.
Pois é, meu amigo, Jorge Ben conseguiu tal proeza. Absoluto herói entre público, crítica e meio musical, a aparente ingenuidade e pureza nas canções revela maturidade e inovação sem precedentes. Até mesmo para a idade dele na época. Apenas vinte e um anos e o sentimento do mundo. E quarenta e cinco anos depois, ainda foram raras as vezes que nosso coração foi tocado de forma tão direta e descomplicada.
Marcadores: Resenhas
4 Comments:
Jorge Ben é um dos pilares da música brasileira. E esse disco, como os outros citados, é mais um clássico debut que marcou época.
Eu não sou de ficar ouvindo muito Jorge Ben, mas acho as letras absurdamente criativas (mesmo aquelas sem nexo algum).
Muito bons, tanto resenha quanto a obra. Infelizmente, o Jorge (hoje Ben Jor) parece ter errado feio no último cd...Quem sabe só tenha misturado influências de modo errado...
ah, uma resenha que faça jus ao álbum resenhado. e que disco, minha gente. cá entre nós, nem é meu preferido do jorge, mas é lindo, sim.
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