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    sexta-feira, fevereiro 08, 2008
    Jorge Ben - Samba Esquema Novo


    A essa altura, todo brasileiro que não é ruim da cabeça nem doente do pé deve saber: “Samba Esquema Novo” foi que nem “Chega de Saudade”. “Tropicália ou Panis Et Circenses” e “Secos & Molhados I” foram que nem “Samba Esquema Novo”. Arroubos de genialidade juvenil, uma quebra com os paradigmas anteriores, discos de musicalidade exuberante e perfeita... Às vezes, inacreditavelmente perfeita.

    Carioca da gema, o lendário Jorge Ben é simplesmente um dos músicos brasileiros mais influentes surgidos na segunda metade do século e responsável por uma gigantesca de pérolas clássicas há mais de quarenta anos. Ben, assim como João Gilberto, reinventou a música da terra brasilis de forma profunda demais para que não se mereça uma digna passagem em qualquer enciclopédia sobre os sons tupiniquins. E tudo isso começou com esse disco.

    Ao final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, a música brasileira atingiu uma nova era de ouro - Após a explosão da bossa nova, um admirável mundo desconhecido em matéria de música surgia aos ouvidos de público e crítica.

    Apesar da relutância inicial da crítica, o público tornou Jorge Ben um fenômeno instantâneo, vendendo horrores para a época e obrigando muitos críticos a reconsiderar seu “iluminado” senso para música ao dizer que Jorge fazia músicas de harmonias e letras simples por demais.

    Pois “Samba Esquema Novo” era negro como o Brasil poucas vezes havia testemunhado, com a marcação envolvente do violão de Jorge ditando o andamento, dispensando o uso do contrabaixo por muitas vezes – melodia e ritmo eram resumidos em um único instrumento. Inovador, não se encaixava nos moldes da bossa nova nem do samba tradicional. As letras ainda que simples e assimiláveis iam do doído romance à evocação de deuses africanos, desfilando todo um típico cenário brasileiro, de tempestades torrenciais lá fora, de violões e pianos repousando em um canto, e uma rodinha de samba no quintal. Ben fazia o Brasil se sentir em casa sendo o mais singelo possível.

    O disco é aberto pelo incrível e delicioso groove de “Mas, Que Nada!”. Jorge canta sobre a necessidade urgente de ir a um samba mais do que agitado, porque segundo ele “esse samba/que é misto de maracatu/samba de preto velho/samba de preto tutú” é simplesmente bom demais para que a pessoa queira chegar no final. E apenas a voz, ainda que de alcance limitado, é um fio condutor hipnótico e envolvente demais para ficar apático.

    Ouvimos agora a única música que não é da autoria de Jorge no álbum, composta por João Mello, o cara que descobriu Jorge Ben. Batucando lata, “Tim, Dom, Dom”, entra com Ben dizendo que o “dim-dom” do violão bate que nem o seu coração. As cordas correndo alegres pela música dão suporte para a voz discorrer para uma mulher que inebria todos quando começa a sambar. E o tão animado samba (em novo esquema) de Ben acaba de forma crescente e arrepiante.

    Balança Pema” é outra música com um balanço irresistível, com Jorge cantando “Pois quando você sambalança/Sambalança meu coração também/Ele sambalança certinho/Juntinho com o seu vaivém”. E não importa, os dois podem ficar no mesmo processo até as sandálias da moça ficarem gastas e acabadas e os dedos estiverem calejados e doloridos. Corpo, música, coração: a via mais curta que existe.

    Ainda convidativo, “Vem, Morena, Vem” entra suingando e criando espaço para Jorge cantar que nos cantinhos de sua casa existem amigos inseparáveis como o seu violão e seu piano, mas que sem a sua morena dançando para ele, não haverá música alguma. Doce e incansável, carente e apaixonante de forma absurdamente simples.

    E ouso dizer: poucas vezes o século vinte viu um arroubo lírico e emocional tão grande como em “Chove, Chuva”, com sua letra carinhosa e protetora, suas melodias conquistadoras e um refrão para lá de poderoso, e que apesar de ser tão marcante, diz apenas para palavras doces como “por favor, chuva ruim/não molhe mais o meu amor assim”.

    “Não adianta que eu não vou/Se lá não tem samba/Eu não vou não vou/Pois o que eu quero é só sambar”... Essa aí recebe o nome “É Só Sambar”, de início dedilhado e refrão que suaviza a música e dá oportunidade para as cordas voltarem a esgueirar para perto do ouvinte, fazendo o mesmo aceitar o convite de muito bom grado.

    Rosa, Menina Rosa” com o tempero percussivo mais forte que o normal, em que Ben, em divertida presunção, diz que mesmo que a tal da Rosa sambe muito, o samba de Jorge irá passa-la para trás. Mas diz para não se preocupar: “Meu samba tem mistério, mas é gostoso de sambar/Se você gosta de samba, você vai ter que balançar”. Precisa mesmo falar do nível de excelência da música se o próprio a assume?

    Outra das pérolas do álbum, essa é a paradoxalmente balançada e melancólica “Quero Esquecer Você”. Com belíssimos versos como “Sei que não devo querer você tanto assim/Pois esse desejo é proibido para mim” e ainda pronunciando voxê ao invés de você no refrão, cria um clima de amor ingênuo, puro, quase infantil, que a sessão de sopros e as cantaroladas em falsete só reforça e maravilha.

    Uala, Ulala” se usa de inúmeras figuras e personagens para que o universo descrito por Ben faça pleno sentido aos ouvidos dos atentos, em que a música de instrumentação discreta e marcação forte pode ser resumida, como o próprio Jorge diz na letra, como um simples “lamento de amor”. Simples de fazer muitos se morderem de inveja.

    Nostálgica, “A Tamba” é uma das músicas mais lentas e comoventes de todo o conjunto presente. Prolongando a palavra, cantando em falsete, lembrando dos tempos do samba que não voltam mais. Um esquema novo consciente, que não nega os antepassados, mas que não tem medo de vislumbrar o futuro.

    É incrível como Jorge consegue ser ao mesmo tempo propositadamente e convincentemente pueril. “Menina Bonita Não Chora”, em que a batida é mais agitada, mas ainda assim é acompanhada de melodias que fazem o ouvinte lembrar de dias mais simples e mais felizes. Romântico devotado, Ben promete que “O meu amor é forte/Nele você pode confiar/Se você é triste, feliz você será”.

    E quem dá o ponto final nesse clássico é “Por Causa de Você, Menina”. Amor platônico, não correspondido, voz pequena, sopros suingando, marcação pulsante... “Você passa e não me olha, mas eu olho pra você (...) Você por mim não chora, mas eu choro por você”... Sinceramente? Há de ser bastante revoltado com a vida (ou padecer de muita pose blasé) para não dar um sorrisinho, não se identificar e não cantar junto... Assim como o resto do álbum é simples, bonita e visionária. Tudo em uma música só. Combinar as três características não é pra qualquer um.

    Assim como ouvindo o debut de 1959 “Chega de Saudade” de João Gilberto, você tem dúvidas de como que um disco tão simples instrumentalmente e nada complexo liricamente, com músicas durando em média dois minutos, pode abalar todas as estruturas.

    Pois é, meu amigo, Jorge Ben conseguiu tal proeza. Absoluto herói entre público, crítica e meio musical, a aparente ingenuidade e pureza nas canções revela maturidade e inovação sem precedentes. Até mesmo para a idade dele na época. Apenas vinte e um anos e o sentimento do mundo. E quarenta e cinco anos depois, ainda foram raras as vezes que nosso coração foi tocado de forma tão direta e descomplicada.

    Marcadores:

    posted by billy shears at 7:04 AM

    4 Comments:

    Blogger gabriel disse:

    Jorge Ben é um dos pilares da música brasileira. E esse disco, como os outros citados, é mais um clássico debut que marcou época.

    7:56 AM  
    Blogger natália; disse:

    Eu não sou de ficar ouvindo muito Jorge Ben, mas acho as letras absurdamente criativas (mesmo aquelas sem nexo algum).

    9:12 AM  
    Blogger névoa disse:

    Muito bons, tanto resenha quanto a obra. Infelizmente, o Jorge (hoje Ben Jor) parece ter errado feio no último cd...Quem sabe só tenha misturado influências de modo errado...

    10:43 PM  
    Blogger Gabriel M. Faria disse:

    ah, uma resenha que faça jus ao álbum resenhado. e que disco, minha gente. cá entre nós, nem é meu preferido do jorge, mas é lindo, sim.

    não há muito mais a comentar...

    2:19 PM  

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