quinta-feira, novembro 29, 2007
Junkiebox #6
(Colaboraram Nat e Bêr) Feist – The Reminder: Lembro-me muito bem da primeira vez que vi a Feist em carreira solo. Ela estava tocando Mushaboom (aquela do comercial de perfume) com uma guitarra vermelha linda, que eu ainda vou ter. O fato é que eu fiquei viciada na música da Feist, ouvi o cd todo e ele nunca mais saiu do radinho. No comecinho de maio deste ano, ela lançou o " The Reminder", que logo de cara viciei de novo. É um álbum delicado, com canções simples, porém muito bem trabalhadas. A voz da Leslie é linda de morrer, e os arranjos são bacanas também: tem passarinhos cantando no fundo de “ The Park”, tem um coral em “ 1, 2, 3, 4” fazendo “ohhh ohh ohh!”, tem estalos de dedos em “ Brandy Alexander”, e ainda tem “ Sea Lion Woman”, um cover da Nina Simone. Um álbum pra ser ouvido enquanto você está deitado no chão, pensando na vida. Ou então em um domingo de manhã, você é quem sabe. Ouça: "1, 2, 3, 4" e "I Feel It All" PJ Harvey – White Chalk: Levei um choque quando ouvi “ White Chalk” pela primeira vez, e me perguntei “o que fizeram com as guitarras da PJ?”. Se você achou que iria ouvir um disco de rock (assim como eu), você se enganou. “ White Chalk” vem cheio de pianos, gaitas, e nada de guitarras como nos discos antigos. Na voz, nada de gritinhos como havia em “ Stories from the city, stories from the sea” (álbum lançado em 2000), e sim vocais suaves, às vezes até sussurrados. Um disco diferente, e que me surpreendeu bastante. Mas lembre-se: ser diferente não é necessariamente ser ruim. Ouça: “White Chalk” Radiohead - In Rainbows: O Radiohead conseguiu. Chamaram tanta atenção que viraram matéria até na revista Veja. Disponibilizaram o álbum na internet, e cada um paga o quanto quiser (ou então não paga nada, se preferir). Se deu certo? Claro que deu. Na semana do lançamento do disco, só deu Radiohead no Last.fm, nas buscas do Google, em todos os lugares que você possa imaginar (ok, nem todos). Mas, deixando tudo isso de lado... O cd é ok (not " Ok Computer"). É um álbum mediano: não chega a ser grande coisa, mas também não é ruim. É meio que uma montanha russa: começa bem, depois fica tudo meio parado, e então quando você acha que o disco tá começando a ficar bom, ele já está acabando. Quando se trata de banda grande, a gente sempre espera mais... Talvez seja isso. Ouça: "15 Step" Deborah Harry – Necessary Evil: Sempre achei a Debbie Harry tão ícone pop quanto Madonna. Ambas são loiras, bonitas e todo mundo já ouviu falar em seus nomes, pelo menos uma vez na vida. Além disso, as duas moças (hm... senhoras) já colocaram as caras na telona também. Deixando as comparações com a Madonna de lado, Deborah Harry já tem seus 60 e tantos anos de idade, mas continua jovem o suficiente pra lançar um bom disco: “ Necessary Evil”. Logo de cara me empolguei com o disco. São 17 músicas: a faixa de abertura, “ Two Times Blue”, é uma baladinha pop/rock bem legal. Outras já são um pouco mais punks, como “ You’re Too Hot”, onde Debbie arrisca um vocal mais forte e gritado. Ainda têm algumas com batidas eletrônicas, que não me chamaram muito a atenção. “ Necessary Evil” é um disco moderno (exceto “ Paradise”, que tem um trash saxofone horrendo no começo). A voz de Debbie continua inconfundível como na época do Blondie. “Tive um daqueles momentos loucos em que criar um álbum novo me pareceu uma boa idéia”. Excelente idéia, Debbie. Continue Assim. Ouça: "Two Times Blue" The Polyphonic Spree - The Fragile Army: Teclado, guitarra, baixo, flauta, percussão, trompete, trombone, violino e um coral. Se você ouvir Polyphonic Spree, vai encontrar tudo isso (e mais um pouco). São mais de 20 pessoas na banda. É isso mesmo, v-i-n-t-e... E eu ainda não consegui entender muito bem. Durante os shows, a banda se veste com roupas que parecem batas, túnicas ou sei lá o que. Mas se você reparar bem, eles lembram um pouco os hippies. Mas eles são tipo, um coral – e às vezes tocam cover do Nirvana nos shows. Ficou confuso? É, eu também, mas vamos com calma: o Polyphonic Spree pode ser definido como uma mistura de música clássica, rock e muito experimentalismo. Nesse ano eles lançaram o “ The Fragile Army”, que é o terceiro cd da banda. Parece um pouco de Belle & Sebastian com Flaming Lips. É um álbum bem alegre, cheio de back vocals, letras criativas, tecladinhos e sintetizadores. Toda essa mistura de estilos e instrumentos gerou um cd excelente, acho que entra na minha listinha de melhores do ano. Ouça: "Oh, I Feel Fine" Linkin Park - Minutes To Midnight: Um dos maiores ícones do gênero new metal já andava sumido há um bom tempo – já eram cinco anos sem um álbum de inéditas. E eis que eles voltam, declarando ser uma banda madura agora, inclusive apoiando a causa política anti-Bush. Santo pré-requisito, Batman... A banda que ficou famosa ao popularizar a mistura de referências rap-metal e industrial mostra pouca diferença nesse álbum. O disco abre com a porrada “ Given Up”, um rock pesado o suficiente para se bater cabeça, mas ao longo do mesmo, a banda reparte entre o velho Linkin Park – guitarra pesada, rap, refrão gritado, scratches – e o novo, que consiste basicamente em um U2 menos inspirado e pastiche pós-grunge. Ou seja, um disco com poucos momentos realmente interessantes e que raramente sai do lugar comum. Se for assim que vai se dar o amadurecimento do Linkin Park, até que a famosa Síndrome de Peter Pan que existe no Rock And Roll não é tão ruim assim. Ouça: “Given Up” Neil Young – Live At Massey Hall ’71: Os entusiastas do rock setentista sabem que, naqueles anos dourados, poucas performances eram tão arrebatadoras e intensas quanto as de Neil e a banda de apoio Crazy Horse. E esse homem que é uma instituição tratando-se de música emocional e introspectiva soltou um show inteiro daqueles anos, dezessete músicas de tocar o coração. Pianos e violões servem de suporte para a linda voz do canadense cantar as mais que sinceras letras, chegando a alguns momentos realmente impressionantes como a intimista “ Old Man”, o medley “ A Man Needs A Maid/Heart Of Gold” e a singela “ See The Sky About To Rain”. E mesmo com tanta intensidade destilada através de voz e violão, Neil ainda arranja tempo pra demonstrar um agradável bom humor. Enfim: um live perfeito a ponto de se exclamar um palavrão bem sonoro. Há muito tempo que o rock não via um lançamento ao vivo tão coeso e que funciona tão bem. Dá até dó de não destacar mais músicas. Ouça: “A Man Needs A Maid/Heart Of Gold” Devendra Banhart – Smokey Rolls Down Thunder Canyon: Inspirando-se em Bob Dylan, Caetano Veloso e Novos Baianos, o barbudo norte-americano integrante do New Weird American Movement e que apesar de ser texano reside na Meca bicho-grilesca São Francisco mostra ao público um som de várias camadas e nuances a serem descobertas – a psicodelia funde-se sem vergonha alguma com a tropicália, que por sua vez não vê problema em interagir com o folk. Momentos como “ Samba Vexillographica” e “ Tonada Yanominista” causam um divertido estranhamento, “ Lover” cativa pela levada mais elétrica e “ Rosa” (esta com participação do hermano e ícone indie brazuca Rodrigo Amarante) atrai pela beleza pueril. Devendra só peca mesmo pela grande extensão do disco – são dezesseis canções, o que pode fazer com que ouvir o álbum na íntegra por vezes se torne maçante. Mas quando ele acerta a mão, é ouvir e viajar. Ouça: “Tonada Yanominista” Ozzy Osbourne – Black Rain: E eis que o Príncipe das Trevas volta após seis anos com material novo. Figura que dispensa apresentações até para os menos entendidos em rock, Ozzy continua soando muito mais atual que a maioria de seus contemporâneos. E olha que nem é vontade de ser tiozão que participa da festa dos jovens – Ozzy soube se atualizar muito bem sem soar pretensioso. A banda de apoio tem uma pegada incrível – desde a trabalhada e precisa cozinha até a rifferama infernal de Zakk Wylde. Ozzy vai do Heavy Metal moderno em faixas como a pedrada “ 11 Silver” e “ I Don’t Wanna Stop” - essa com o melhor refrão do álbum e uma das melhores músicas do cantor – até baladas rasgadas como “ Lay Your World On Me” e “ Here For You”, sem contar a sabbathica faixa-título, com direito até uma gaita à lá “ The Wizard”. Para quem achava que um dos caras mais queridos do Rock estava se aposentando de vez, não há nada a temer – os bons morcegos decapitados continuam guiando o Madman no caminho certo. Ouça: “I Don’t Wanna Stop” KoRn – Unplugged MTV: Em todos os casos, um acústico da MTV é uma faca de três gumes. Ou o artista em questão se reinventa e faz com que suas composições soem como novas em formato desplugado, ou resgata um nome que a mídia não lembrava há um tempo em discos medíocres, ou então a banda não sabe lidar com a premissa e comete um desastre apenas para continuar vendendo. O KoRn foi um caso difícil de definir. A banda até que começa enganando – a banda acostumada a gritos, afinações baixas e distorções parece que vai se sair bem quando ouvimos “ Blind”, mas a maioria não sai do extremamente previsível. De quebra, a banda ainda joga seu hit “ Freak On A Leash” no lixo quando Davis chama Amy Lee do Evanescence para um dueto fraquíssimo. Mas entre mortos e feridos, temos uma interessante versão de “ Creep”, do Radiohead, ainda mais angustiada que a original, e um medley de “ Make Me Bad” com “ In Between Days” do The Cure, com a participação do próprio Robert Smith em pessoa. O resto, por favor, manda cremar. Ouça: “Creep” Marcadores: Junkiebox
posted by billy shears at 11:24 PM
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quarta-feira, novembro 21, 2007
Jeff Buckley - Grace
Trocando em miúdos: Jeff Buckley foi um caso raro na história do Rock And Roll. Tal como uma chama, brilhou por um breve tempo e então apagou. Sem querer forçar a barra, mas era dor transcendendo a música, eram tantas emoções guardadas que pareciam não caber nos acordes ou nos emocionados cantos e gritos.
Nascido na Califórnia e filho do músico de folk-jazz Tim Buckley, Jeff cresceu até os oito anos sendo chamado de Scotty Moorhead, nome que foi dado pela sua mãe e seu padrasto. Quando alcançou a idade em questão, a mãe o levou para ver um show de Tim, e acabou passando uma semana com o pai. Quando voltou, queria ser tratado como Jeff Buckley. Pouco após essa semana, o homem que deu vida a Jeff morria de overdose de heroína. Além de ter muito do pai, o garoto também aprendeu música com a mãe, pianista e violoncelista e começou a despertar curiosidade pelo Rock com seu padrasto, fã declarado de Led Zeppelin, Jimi Hendrix e The Who. Adolescente, apaixonou-se pelo álbum "Physical Graffiti" do Led Zeppelin e discos do Van Morrison, Janis Joplin, MC5 e The Smiths, pegou para si uma guitarra acústica da avó e pouco após ganhou uma Gibson Les Paul de sua mãe. Aos dezoito, ingressa num curso de dois anos numa instituição de músicos. Apesar de considerar o curso uma perda de tempo, nesse período conheceu e tornou-se fã de ícones musicais como Leonard Cohen, Nusrat Fateh Ali Khan e Edith Piaf.
Apesar da semelhança física e um nível de talento proporcional ao do pai, Jeff não queria ser uma continuação da história de seu pai. Não queria ser um mártir do Rock And Roll. Queria apenas ser lembrado por sua música. Ironicamente, começou a chamar a atenção num show-tributo dedicado ao pai, que tocou junto com Gary Lucas, que já tinha tocado com a banda Captain Beefheart. Após alguns ensaios, Gary o convidou para integrar sua banda Gods And Monsters como vocalista. Apesar de ter adorado a idéia, pouco tempo depois Jeff deixava o grupo para seguir carreira solo. Reiniciou do zero no ano seguinte em New York em um bar chamado Sin-é. Munido de voz e guitarra, as performances dele eram tão arrebatadoras que no mesmo ano de 1992, assinava com a Columbia Records.
O resultado foi seu primeiro e último álbum, "Grace". Uma obra prima com todas as letras, do início ao fim, sem tirar nem pôr. Poucas vezes a alma de uma pessoa, todas as suas imperfeições,tristezas e anseios, esteve tão exposta em apenas um disco. Jeffrey exalava suas influências por todos os poros - folk, rythm and blues, soul music, hard rock, compondo um disco completo e variadíssimo, com letras fortes e pessoais, assim como nos bons e setentistas tempos de Neil Young e Nick Drake. Acompanhando Jeff, estavam os músicos Mick Grondahl no baixo, Mat Johnson na bateria e Michael Tige na segunda guitarra.
"Mojo Pin" é iniciada por dedilhados lentos, uma marcação sutil do baixo, e Jeff rompendo em um falsete. Começando a cantar em um tom doce, a música vai crescendo junto com a sua voz. A guitarra cresce, a bateria imprime maior ritmo na cançao, e Buckley canta sobre um amor doído, que se retornasse, ele não precisaria arranjar outras distrações para tentar satisfazê-lo. "Eu não quero chorar por você/Eu não quero saber, eu estou cego e torturado/Os cavalos brancos cavalgam/As memórias pegam fogo, o ritmo cai devagar...". Se aproximando do final, a música explode em intensidade, a bateria marcha, as guitarras pesam, e Jeff grita de uma forma inacreditável mais de uma vez. Um daqueles gritos tão agonizantes e desesperados que da primeira vez deixam o ouvinte perplexo.
Com início intimista e uma bateria entrando como um trovão, a música título "Grace" reparte melodias lindíssimas e a voz no limite do vocalista, cantando os versos de forma tensa para descambar em um doce e irônico refrão que diz para esperar no fogo. E você não consegue deixar de prestar atenção na música. É tudo forte demais. Jeff canta sobre o que artistas compõem poucas vezes na vida - a morte. "E eu sinto chamarem meu nome/Tão fácil de saber e esquecer com esse beijo/Eu não tenho medo de ir, mas vou tão devagar...", canta com toda a força dos pulmões.
"Last Goodbye", entrando em compassos lentos e acordes corajosos, é guiada pela levada de bateria, que abre espaço para Jeff emitir um triste trado sobre o fim de um relacionamento. "Sim, esse é o nosso último abraço/Devo eu sonhar e ver sempre o seu rosto?/Por que a gente não consegue ultrapassar esse muro?/Bem, talvez seja por que eu nunca te conheci mesmo", expressa um dos versos mais fortes. A música então já se tornou de beleza dura e peso doído. E falsetes e acordes de piano denunciam que tudo acabou.
Jeff te empurra no sofá cantando desde o início a jazzy "Lilac Wine", standart famoso na voz de Nina Simone que Buckley fez questão de dar sua versão dos fatos. Um doce e polido diamante musical sobre um amor inebriante feito vinho. Ele clama pelo seu amor, querendo encontrá-lo de qualquer jeito. Em certos momentos, Jeff faz tremer nas bases. Especialmente no final capaz de rachar o mais duro coração de pedra, "Vinho lilás, eu não me sinto pronto para o seu amor...".
"So Real" com cordas contidas e em tom de alerta, é uma música sobre o medo que as pessoas têm de amar. Apesar de afirmar que todos os momentos que passou com a pessoa que ama foram reais demais para ele, afirma "Eu te amo, mas eu tenho medo te amar/Eu tenho medo de te amar". Assim como nas duas músicas anteriores, as barreiras que as pessoas não conseguem romper para conseguir encontrar a felicidade real. Um solo de guitarra distorcido destoando do resto da música soa como a maior das insatisfações sendo posta pra fora em notas vigorosas e revoltadas.
Entra então uma música que é impossível ficar imparcial ao escrever sobre. "Hallelujah", regravação de seu ídolo Leonard Cohen, é um desafio para a capacidade descritiva de qualquer um. Iniciada por tristes melodias e um baixo ressoando, é simplesmente música demais para ser transformada em verbo. A devoção e o abandono com que Jeff Buckley se entrega ao tema é de chocar. De chocar com tanta doçura, com tanta tristeza, e a voz de Buckley soando cada vez mais e mais forte, mas sem nunca perder a beleza, opondo o sagrado e o humano, descrevendo um amor destrutivo, em versos como "O amor não é uma marcha de vitória/É um frio e sofrido Aleluia" e "Talvez haja um Deus lá em cima/E tudo que eu já aprendi sobre o amor/Era como atirar em alguém que tirou você". De ficar com os olhos marejados não importa quantas vezes escutemos: sempre continuará uma das canções mais lindas e melancólicas já compostas.
"Lover, You Should've Come Over" tem um início soturno, que logo se transforma em uma canção cadenciada de mais de seis minutos. Novamente volta o tema de um amor que consome o eu-lírico totalmente, deixando-o consumir, deixando ele solitário e obsessivo, em busca de uma chance de redenção. De início simples, a música vai crescendo em todos os quesitos, mas principalmente na interpretação de Jeff, que só para variar, arrasa, dizendo que nunca é tarde para voltar atrás, e sentimos todo o cansaço de se levar uma vida como essa exposto em sua voz lamentada e seus falsetes lancinantes.
A terceira regravação é "Corpus Christi Carol" de Benjamin Britten que, em termos técnicos, talvez seja a melhor performance vocal de Buckley. Cantando quase como uma soprano, alcançando um clima quase religioso, de deixar em transe. Apenas voz e cordas compondo a música mais curta da bolacha. Uma pueril admiração pela casta personagem do título, acompanhado de um refrão onomatopéico.
"Eternal Life" era o que mais podia se aproximar do mercado da época, já que Jeff não era pesado o suficiente para as rádios rock e era alternativo demais para mídias mais pop. A canção é um hard rock inserido na sonoridade dos anos noventa, fazendo soar quase como um grunge, com suas guitarras pesadas e sua cozinha sempre impondo um ritmo intenso na canção. Na canção, Buckley vê tudo corrompido e anseia por salvação, que para ele, nada mais é aceitar que a vida é assim e temos que aprender a lidar com ela, por mais difícil que isso seja. Como diz com urgência no verso "Não há tempo para ódio, apenas para questionar/O que é o amor?/Onde está a felicidade?/O que é uma vida?/Onde está a paz?/Quando eu vou encontrar a força para me trazer alívio?". E no final, a canção volta a ganhar belas melodias acompanhando seu ritmo pesado. Um dos grandes talentos de Jeff: saber encontrar beleza até mesmo na agressividade.
E, encerrando, "Dream Brother" vem em cordas hipnóticas, uma das mais intimistas de todo o conjunto, com uma pegada forte de bateria, um refrão chamativo e momentos instrumentais simplesmente viajantes, e Jeff sonha que ele só quer sentir-se seguro nos braços da pessoa, enquanto a mesma está com outro. Mas o mundo continuará girando para sempre, diz Buckley, e pelo jeito, não há mais nada a se fazer.
Jeff vendeu cerca de 300.000 cópias deste disco, algo que as gravadoras consideraram uma repercussão muito fraca, apesar do nome do cantor estar cada vez mais em voga. Fato este que o desagradou e o fez voltar ao formato de voz e guitarra e tocar para pequenas platéias de bares americanos. Underground e mainstream: o Hamletismo dos anos noventa que ergueu tantos, derrubou tantos outros, e fez com que tantos nomes como este que vos é apresentado não ganhasse maior reconhecimento.
Morto em 29 de maio de 1997 por afogamento, Jeff só confirmou a teoria da chama. Muitas pessoas questionam até hoje porque o mundo é tão injusto de nos tirar um cantor tão único assim. Tão individual, tão universal, tão sensível... Que sabia falar sobre morte, amor, vida, tristeza, sem cair no clichê. Apenas sendo honesto. Buckley angariou uma legião de fãs famosos, entre eles lendas do rock como Bob Dylan, Robert Plant, Jimmy Page, Lou Reed, David Bowie e Patti Smith, contemporâneos como Chris Cornell, Björk e PJ Harvey, fãs exóticos como a banda de Doom Metal Katatonia e o ícone do rock brasileiro Paulinho Moska, e influenciou nomes como Radiohead, Muse e Coldplay.
E o leitor me pergunta: é possível que alguém seja assim tão bom? É possível que um disco converse com a gente não só pela letra, mas pela música também? Ele era essa alma que não cabia no corpo? Nem tudo na música está perdido depois do final dos anos setenta?
Deixo Jeff responder por mim. Marcadores: Resenhas
posted by billy shears at 6:12 PM
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sábado, novembro 17, 2007
Soundgarden - Badmotorfinger
Para o bem ou para o mal, o grunge mudou a história do Rock. Assim como o punk rock chutou pro espaço todo o exagero e pompa do rock progressivo e do hard rock, os jovens flaneludos de Seattle ridicularizaram o afetado e performático hair metal. Saíam as referências a Aerosmith e Van Halen utilizados à exaustão e tomava conta o rock gritado com guitarras distorcidas, herdeiros diretos dos tempos áureos dos Ramones, Black Sabbath, Led Zeppelin, Black Flag, entre outros; a tríade "sexo, drogas e rock and roll" dava lugar para letras pesadas abordando depressão, uso de drogas, suicídio, imediatismo, solidão, sensação de não-pertencimento, entre outros temas nem um pouco sutis. Muitos dos expoentes são famosos até hoje: o Nirvana, banda-símbolo que ao suavizar os versos, pesar os refrões e ter os miolos de seu principal vocalista explodidos, criou um monolito de grande força e tamanho que até hoje se faz presente em várias bandas atuais; o Pearl Jam, que percorreu a aventura de fundir rock e poesia, nas declamações intensas e político-existencial-filosóficas de seu homem de frente, Eddie Vedder; o Alice In Chains, um mar heavymetálico de angústia e podridão; e a banda evidenciada agora, o Soundgarden, um dos pioneiros a fundir elementos de punk rock, heavy metal e rock alternativo para criar um dos gêneros musicais mais atormentados de que sem notícia. Andamentos esquisitos, afinações baixas, temáticas na lata: o caminho a ser percorrido por quem se aventurasse a ouvir. Apesar do grunge ter explodido em 1991, o Soundgarden já vinha de uma longa estrada: seu núcleo base fora formada em 1984, que foi sofrendo alterações de line-up até chegar na formação que estourou, que consistia do homem-sirene Chris Cornell como vocalista, o filho musical de Tony Iommi que atendia pelo nome Kim Thayil, no avassalador Matt Cameron como baterista, e o sempre seguro e preciso Ben Shepherd no baixo. Esses quatro viram o Soundgarden ver as primeiras luzes do sucesso em seu terceiro disco de estúdio, que atendia pelo nome de "Badmotorfinger", do ano da explosão do movimento. O disco em questão é, sem sombra de dúvida, a obra-prima do quarteto de Seattle e confirma com gosto todas as afirmações feitas até agora, superando até o sucessor e mais conhecido "Superunknown" na opinião deste que vos escreve. O álbum já desperta a atenção logo na primeira canção: introduzida apenas e unicamente pelo riff de guitarra, "Rusty Cage" logo nasce com fórceps quando entra a forçuda cozinha, pesada e rápida, acompanhando a base rústica e seca. Chris Cornell canta de forma nervosa e por vezes até rasgada uma letra sobre libertação, dizendo "Você atou meu senso de direção e tirou-me o julgamento/Para assistir meu sangue começar a ferver", e então berra no refrão "Mas eu vou quebrar/Vou quebrar minha/Vou quebrar minha gaiola enferrujada e fugir". No desenrolar dos fatos, a banda cai em um andamento mais cadenciado, que serve de pretexto para que Cornell solte ainda mais o vozeirão, atingindo tons cada vez mais altos.
Quase que interligada , a banda da início ao clássico "Outhsined", um petardo que poderia facilmente ter sido composto pelo Black Sabbath. A pesada e direta guitarra atinge o ouvinte em cheio. A banda acrescenta ainda um toque pessoal ao incluir partes mais cadenciadas e melódicas que servem de ponte para a parte mais infernal da música, enquanto Chris canta de forma rasgada um conflito de egos, uma música sobre pessoas esmagando as outras. Na parte mais forte, afirma: "Eu me sinto sóbrio, mesmo estando bebendo/Não posso ir mais fundo, mas sinto que ainda estou caindo". A pessoa sente-se ofuscada em relação a outra, e esse sentimento de rejeição faz com que a banda aplique um murro cada vez mais forte nos ouvidos.
"Slaves And Bulldozers", em poucas palavras, é uma das melhores músicas de toda a carreira da banda. De início mórbido, com um baixo soturno soando alto, logo começa uma música cadenciada e intensa. Chris está um monstro, simplesmente; de tom ousado e desafiador, vai crescendo sua voz ao ritmo da música, que tal qual uma bola de neve, assemelha-se um trator comandado por alguém ensadecido. A letra também não deixa pedra sobre pedra, tirando uma relação opressiva a limpo, em que o eu-lírico está tremendamente revoltado com toda a sujeira do mundo. "Comprando mentiras e roubando brincadeirinhas/E rindo o tempo todo da minha sufocação/Oferencedo o tempo todo o que você pegou/Agora eu sei por que você levou", diz Cornell. Kim, inspiradíssimo, debulha um solo elétrico, ruidoso e com fome de destruição. Ao seu final, a música vira uma pilha de raiva, por parte de um possuído Cornell todos os outros instrumentistas. Perfeitos sete minutos, sem tirar nem pôr.
Mais cacetada! "Face Pollution" é rápida, frenética e brutal. Não chegando nem a dois minutos e meio, a canção é pauleira pura do início ao fim, com a guitarra de Kim imprimindo um riff maníaco, Matt Cameron socando a bateria, Ben impondo seu ritmo sempre forte e Cornell... Bem, o que dizer? O homem grita, berra, se esgoela, vai do vocal limpo ao rasgado, alcança tons altíssimos... Cantando uma letra sobre uma pessoa que está cansada de usar máscaras. Sem piedade nenhuma em qualquer quesito.
"Jesus Christ Pose" é outro clássico de responsabilidade. E explicita o velho dilema do grunge: pesada demais para ser punk, suja e visceral demais para ser heavy metal ou hard rock. Nada nessa música parece ser coisa desse mundo. Um cometa virulento e psicótico, a cozinha invocando um tribalismo esquecido pela sociedade contemporânea, a guitarra soando como um alarme lancinante, e Chris cantando no limite da tensão, dando falsetes doentios. A letra novamente arrasa, com o eu-lírico cansado da pose cristã que várias pessoas utilizam, tratando-o como um fardo, revoltado de como elas deixam se levar por isso. "Mas você fica me encarando como se eu precisasse ser salvo com sua postura de Jesus Cristo...". E então a música some, tão caótica quanto começou.
Não espere ter descanso. Mais um momento Sabbathico é ouvido em "Somewhere", com cozinha mastodôntica e guitarras matadoras, e Chris abusando do gogó, gritando o máximo que consegue no refrão e não deixando por menos no resto da canção, porém, sem nunca perder o pique. Na letra, ele vê-se sozinho e desorientado, sem ver sentido para a sua existência. E a banda segue queimando lenha.
"Searching With My Good Eye Closed" é outro épico Soundgardeniano que ultrapassa os seis minutos. O riff surge do silêncio, de forma até assustadora, pois a medida que os atordados e ruidosos compassos aceleram, onde uma voz em tom irônico e ruídos estranhos abrem espaço para um ritmo cadenciado e um Cornell mais contido na voz, porém com Matt Cameron imprimindo força tremenda na bateria. O refrão é pesadíssimo, porém, cresce naturalmente. Na letra, novamente uma perda de sentido das coisas, uma falta de chão atordoante, como grita o refrão "Ele chega até o céu e cai?/Procurando pelo chão com o meu olho bom fechado...". E, só para variar, a música no final perde as estribeiras e todos os envolvidos chegam ao máximo de frenesi musical possível.
A seguinte, "Room A Thousand Years Wide", é uma das mais pesadas de todo o disco, com Kim abusando das afinações baixas. A aproximação com o rock alternativo barulhento é evidente, com Cornell cantando que descobriu alguém que vive enquanto os outros apenas mentem, descrevendo o futuro como um continuum que apenas repete o passado. O amanhã gera amanhã. Alternando entre os vocais limpos e contidos e os falsetes rasgados e momentos quase guturais, Chris sabe como fazer um refrão empolgante, enquanto a muralha de força que atende pelo nome de banda é truculentamente indescritível.
Inspirando certo suspense de início, "Mind Riot" abre com guitarras noise e a cozinha guiando a música seguramente, para que o vocal inicie acompanhando as melodias arrastadas e brutais, tal qual como ver em câmera lenta uma briga onde tos os envolvidos se machucam seriamente. Porque mesmo cadenciada, a música consegue esbanjar um senso puro de violência, com Cornell desesperado cortando o ar com agudos. A letra fala sobre alguém que chegou ao fundo do poço, e tenta libertar sobre todo esse clima de paranóia quanto a guerras mundiais, repressão policial, mortes em massa, síndrome do pânico, além de várias metáforas poéticas, dizendo "Eu estou amarrado por dentro/Eu sou o último fósforo aceso pelo destino/Em meio a uma tempestade".
"Holy Water" vem com o fantasma do Black Sabbath encarnando no riff, com a cozinha esbanjando técnica e precisão. A religião é massacrada sem dó nem piedade, com o eu-lírico dizendo que está se sentindo violentado por "outro macaco bizarro de circo". O ganho de melodia no refrão não diminui nem um pouco a força da canção, que não perde o tom de denúncia indignada em nenhum momento. Sustentando notas altas à vontade, Chris Cornell demonstra com folga que o rock tem mais homens-sirenes além de Ian Gillan, Ronnie James Dio e Bruce Dickinson...
O álbum então é fechado pela pérola "New Damage". Uma das músicas mais corrosivas do álbum, com a bateria cadenciada fazendo com que o resto da banda acompanhe em andamentos quase sombrios, com a guitarra caminhando entre um peso hard rocker e melodias com um quê alternativo. "Quando o novo desastre acontecer/Será o prenúncio de uma calamidade/Uma nova ordem mundial/Um novo mundo para se odiar", exclama o raivoso vocal. Os ares psicodélicos e barulhentos do solo de Kim são de hipnotizar. Um encerramento perfeito. "Os destroços estão afundando/Saia antes que você se afogue!".
O Soundgarden muitas vezes só é lembrado pela balada alternativa "Black Hole Sun", o que é uma tremenda injustiça. Tal fato fez com que grande parte do público da época não soubesse como a banda poderia ser maravilhosamente inventiva, primal, diferenciada e pioneira. Sempre acabam ganhando menos destaque quando postos no mesmo patamar de Nirvana e Pearl Jam. Poucos mergulharam fundo na usina de poder que a banda demonstrou ser desde a primeira metade da década de oitenta que, quem sabe, chegava até a ser melhor que seus companheiros de cena. Como acontece com Tom Waits e New York Dolls, o tamanho do reconhecimento quase nunca vem na altura do tamanho do talento. Mas quem já percorreu esses caminhos... Ah, meu amigo, pode ter certeza - não tem a mínima vontade de voltar atrás. Marcadores: Resenhas
posted by billy shears at 4:26 AM
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quarta-feira, novembro 14, 2007
Black Sabbath - Black Sabbath
Não há como negar: em se tratando da história da música contemporânea, o Black Sabbath é um dos nomes mais inventivos, originais e influentes que se tem notícia. Um dos grupos que realmente ajudou com que o Rock And Roll desse um passo à frente em sua caminhada através das décadas. Originários de uma cidade industrial chamada Birmingham, quatro jovens vindos de grupos que nunca deram em nada foram pioneiros em apostar em uma imagem dark e em um som distorcido, intenso e sombrio. Esses quatro são mais do que conhecidos nos dias de hoje : o vocalista Ozzy Osbourne, o guitarrista Tony Iommi, o baixista Geezer Butler e o baterista Bill Ward. Vindos de famílias trabalhadoras e estudantes de escolas medíocres, a juventude inglesa pobre na época só via três alternativas possíveis: trabalho duro, perigoso e extenuante, gangues com a esperança de conseguir bens de consumo que o trabalho nunca pode pagar... e música. Ao redor do mundo, a história se mostraria a mesma com filhos de famílias de recursos limitados vendo a música como a única alternativa possível para um futuro desgastante e sem perspectivas de melhorias. Vide bandas como o Led Zeppelin, The Stooges, Ramones, MC5, toda a cultura hardcore/street punk na Inglaterra, EUA e Brasil... Formado das cinzas dos grupos Rare Breed e Music Machine, a banda angariou desde cedo uma fama de maldita. Quando ainda não existia todo um conceito em torno deles, a banda chocava pela extrema esquisitice do modo de seu vocalista cantar e agir no palco - com uma postura esquizóide, sacudindo a cabeça e lançando olhares hostis ao público - e também pelo hábito de tocar extremamente alto, o que lhes valeu a expulsão de praticamente todos os bares de Birmingham na época. O temperamento excêntrico da banda, adeptos de bebida e encrenca, só ajudava a sujar o nome deles ainda mais. Dois nomes, aliás: primeiro, como Polka Tuk, que afundou pelas inúmeras brigas de bar, depois, como Earth, que foi para o buraco após a banda ter sido chamada por engano para tocar em uma festa de gala - show este que fez parte da burguesia inglesa tremer nas bases ao presenciar toda a potência sonora que vinha por aí... Então, entre um show e outro do Earth, Geezer Butler foi ao cinema. Foi ver o filme " Black Sabbath" (que foi lançado aqui no Brasil sob o nome de " Black Sabbath - As Três Máscaras do Terror"), uma película da Hammer, principal produtora de filmes de terror da época, narrada pelo clássico ator Boris Karloff (o primeiro a dar vida ao monstro Frankenstein da escritora Mary Shelley) e dirigido pelo italiano Mario Bava em que três aterrorizantes histórias eram apresentadas. Ao final do filme, Boris Karloff dizia o seguinte: "Pronto. Não lhes parece que devia terminar assim? Com os fantasmas não se brinca, porque eles se vingam... Bem, chegamos ao fim de nossas histórias e agora infelizmente devo deixa-los. Mas tomem cuidado quando voltarem para casa. Olhem ao redor, olhem para trás. Cuidado quando abrirem a porta, não entrem no escuro... Sonhem comigo! Nós nos tornaremos amigos!" E o silêncio reinou na sala de cinema. Todos olhavam uns para os outros, assustados e perplexados. Observando isso, Geezer viu a moral da história: as pessoas pagavam certa quantia de dinheiro não para se divertir, mas para se assustar, ficarem chocados, paranóicos e assustados ao andar pela rua de noite. Creio que a idéia tenha sido captada pelo leitor. A idéia ficou na geladeira quando foi levada a Tony, Ozzy e Bill. E já era uma banda com certo interesse no assunto - um dos poucos interesses de Ozzy na escola era ouvir o professor lendo Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft, enquanto Geezer sempre foi um estudioso de temas como ocultismo, tarô e outros. A idéia só foi levada às vias de fato quando o Earth tocou no Star Club da Alemanha e decidiu experimentar a temática sombria. Nascia então o Black Sabbath, e com ele, todo o heavy metal - de forma visual, conceitual, temática e sonora. E assim, o Black Sabbath assinava com a Vertigo, mesmo o clima não sendo muito bom dentro da gravadora, já que seus executivos preferiam um som mais bicho-grilo. Som este que já parecia estar com os dias contados após a morte de ícones hippongas como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Brian Jones, o conturbado fim dos Beatles e eventos violentos como o de Altamont, onde um jovem que apontou uma arma para o palco foi assassinado a facadas por Hell's Angels durante o show dos Rolling Stones. Tudo apontava que anos desesperançosos e hedonistas vinham em trilhos furiosos. E o Black Sabbath foi uma das bandas que mais representou esse espírito. Apesar de todos os mitos envolvendo satanismo, esqueça - muito além do choque barato, a banda discutia demônios muito mais presentes que o bíblico - eram os demônios de cada dia, aqueles instalados em cada pilar da sociedade. Ou como o próprio Ozzy explicou, "O Sabbath foi uma reação contra aquela merda toda de paz, amor e felicidade. Era só olhar em volta e ver que bosta de mundo a gente vivia". E assim, em plena sexta-feira treze, pela bagatela de 600 libras inglesas e em apenas oito horas, o produtor iniciante Roger Bain e os quatro pé-rapados de Birmingham saíram de lá com o auto-entitulado "Black Sabbath". Revolucionário, ousado, indignado, um verdadeiro atestado de fúria, crueza e violência. Um peso ruidoso, sujo e seco, com a mixagem amadora evidenciando a levada mastodôntica de Tony Iommi e a truculência e casca-grossa da cozinha de Geezer e Bill. E claro, também tinha a voz de Ozzy - mórbida, demencial, diferenciada, um estranhamento como poucos. Basicamente, esse era o Black Sabbath - para a crítica, um bando de macacos tocando sons pré-históricos, para o público, o próximo passo do Rock And Roll. E aqui constatamos a razão de não poder dar muito crédito a uma crítica "especializada". E o choque que devia ser em pleno 1970, na noite de sexta feira para sábado, olhar para a capa em que uma sinistra mulher olha um ponto indefinido. Da vitrola, começavam a vir o ruído da chuva atingindo o chão. E então, entra o riff de guitarra de Iommi como se fosse um estrondo elétrico e distorcido. Essa é a música que leva o nome da banda, "Black Sabbath". "O que é isso parado na minha frente?", pergunta Ozzy aterrorizado. Da forma mais macabra possível, a banda descreve o encontro de um homem com o próprio demônio em carne e osso. É narrado o pânico que o fato causa na população, a angústia de descobrir ser o escolhido e não haver escapatória para ninguém. A cada grito de Ozzy, a música explode em seus acordes sombrios e os bumbos de Bill ficam mais presentes que nunca. O baixo de Geezer faz a música ter um tom sufocante que poucas bandas conseguiram igualar até então. E, chegando ao seu final, a música cresce em velocidade, intensidade, medo e aflição. "É o fim, meu amigo?", pergunta Ozzy, "Satã está se aproximando...". É de deixar embasbacado não importa o número de audições. A música irá SEMPRE continuar gelando a espinha e dando um nó na garganta. Quase quarenta anos depois, ainda surte o mesmo efeito. Então, começa a soar uma gaita que Ozzy havia furtado de um empregado da Vertigo. E então... Mais cacetada. "Manhã nublada/Nuvens no céu/Sem avisar/O mago ainda por aí". "The Wizard" é rápida para os padrões da época, com a guitarra de Iommi soando cortante ao sair pelas caixas de som e a bateria de Ward rufando e sendo espancada sem dó nem piedade com uma pegada fortíssima. A música desfila entre o vocal insano de Ozzy, machadas guitarreiras no córtex,e a cozinha funcionando como um trator em que o condutor estivesse ensadecido e com vontade de atropelar tudo. A gaita contribui com um charme indescritível, dando espaço para Ozzy cantar "Nunca falando/Apenas andado/Espalhando sua magia". É... O paganismo finalmente desembarcava na cultura pop! "Behind The Wall Of Sleep" é onírica, apesar de estar mais para um pesadelo. Com um baixo etéreo de Geezer destoando entre a rifferama gritante de Tony, a música teve a letra escrita pelo baixista baseado no contato com a literatura do escritor H.P. Lovecraft. Ou a música corre em ritmos alucinados ou então embarca em uma lisergia cadenciada e maldita, um psicótico Ozzy parece falar simplesmente sobre o momento da morte, o calafrio sentido quando alma e corpo separam-se. Ou estaríamos apenas sonhando? Então, tem início uma das linhas de baixo mais básicas, essenciais e geniais da história do rock. Uma introdução tão perfeita e magnífica só podia vir acompanhado de uma música no mesmo nível. "N.I.B." é o clássico da vez agora. Em uma letra ousada para a época, Ozzy canta como se fosse o próprio Lúcifer em primeira pessoa, apaixonado por uma simples mortal. "Você é a primeira a ter esse meu amor/Para sempre comigo até o final dos tempos". A música cai de ritmo no refrão, apenas para explodir novamente, isso sem contar um dos melhores solos já compostos e gravados por Tony Iommi, algo de cair o queixo. Genialidade juvenil e latente, em todos os quesitos. "Olhe nos meus olhos, você verá quem eu sou/Meu nome é Lúcifer, por favor, agarre a minha mão". "Evil Woman" é um tanto polêmica. É um cover de uma música pop dos anos sessenta que a gravadora Vertigo impôs que a banda gravasse. Não dava, a banda já estava chocante demais para a época - o som não era psicodélico ou folk, as letras não eram pacíficas e utópicas, eles se vestiam de preto dos pés até a cabeça. Então foi imposto que pelo menos uma música mais pop a banda deveria ter em seu repertório. O resultado disso foi uma performance preguiçosa por parte da banda - todas as características que chocavam até agora continuam presentes, mas Ozzy não faz questão de praticar suas interpretações ensadecidas, a cozinha é apenas precisa e não fosse pelo peso, o solo de Iommi pareceria com tantos outros da época. A letra fala da relação do eu-lírico com uma mulher cruel que adora jogar com ele. Uma das únicas músicas que a banda nunca tocou ao vivo, recusando-se terminantemente. A mais cadenciada do disco, essa é "Sleeping Village", introduzida por cordas tétricas e a voz de Ozzy contando sobre uma vila amaldiçoada a ter de dormir para sempre. Ironicamente, diz para o ouvinte sentir-se em casa. Então, a banda explode em um longo número instrumental, o blues-jazz-heavy-rock que só a banda sabia fazer, com momentos de destaque para todos os instrumentistas. Provavelmente, era o momento que Ozzy utilizava para descansar as cordas vocais. E que Iommi aproveitava para destilar mais solos elétricos, Geezer esbanjar suas geniais linhas de baixo e Ward fazer mais uma vez com que o ouvinte se sinta em um pelotão de fuzilamento. Vem "Warning", introduzida pelo baixo e dando espaço para que os outros instrumentos apareçam timidamente e cresçam monstruosamente, na letra mais apocalíptica sobre dor-de-cotovelo já feita. Abandonado pela mulher que amava, o eu-lírico vê tudo ruindo, o sol tornando-se uma mancha escura, e é dominado pela aflição de ter sido deixado sozinho. Mas esqueça os outros instrumentistas, se é que isso é possível. Quem brilha aqui é Tony Iommi, no auge da sua criatividade; caso o ouvinte esteja curioso para saber porque alguns consideram este homem um gênio, essa é A música, camaradas - solos, solos e mais solos, rápidos, cadenciados, jazzísticos, viajantes, hipnóticos, heavies, rompendo em estouros elétricos... Sinceramente, o homem é um mestre. Dez minutos e meio de guitarras em êxtase. E, com o advento do CD, finalmente foi permitido conhecer como parte integrante do disco a música que o Sabbath tocava ao vivo no lugar de "Evil Woman": "Wicked World", essa sim, uma autêntica pauleira que só esse quarteto vindo de uma cidade proletária saberia fazer. "O mundo hoje é semelhante a algo perverso/A luta continuará entre a raça humana/As pessoas vão trabalhar apenas para ganhar dinheiro/Enquanto as pessoas do outro lado do mar/Estão contando os mortos", canta Ozzy na música mais política da bolacha. Entrando como se viesse a galope acima da bateria, a guitarra soa mais desafiadora e direta do que nunca. Compassos lentos e rápidos para variar compõem OUTRO clássico... Em se tratando de Black Sabbath, nunca é demais. Depois desse disco, ainda viriam os anos de ouro da banda - em que a banda lançou nada menos que outras cinco obras de arte da música pesada em seqüência. Ouvindo tudo em sequência, não é nem um pouco difícil de entender porque apenas poucas bandas como Led Zeppelin e Deep Purple tiveram a mesma importância que o Black Sabbath nos anos setenta - o espírito rebelde e corajoso rendeu um legado gigantesco - o heavy metal, o grunge, o stoner rock e muitas bandas de rock alternativo atual devem as calças ao Black Sabbath, e não têm vergonha nenhuma de admitir. Enfim, é difícil encerrar sem cair no que já foi tantas vezes repetido - e esse é mais um dos casos que muitos caracteres não servem nem um pouco diante da força da música em si. We Sold Our Soul For Rock And Roll! Marcadores: Resenhas
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domingo, novembro 04, 2007
Novos Baianos - Acabou Chorare
Brasil, 1969. A repressão da ditadura em nada ajudava a controlar a efervescência cultural pela qual passava o país. Para o mundo, o Brasil surgia como uma potência cultural interessantíssima, em todas as artes possíveis. Os artistas eram brasileiríssimos, e ainda assim, tinham uma acessibilidade inegável. A vibração diferente, as cores fortes, os ritmos envolventes, as letras, poemas, textos, crônicas e romances... Tudo muito forte, tudo muito subversivo, urgente, e principalmente, vivo. Eram os contestadores tempos da Tropicália, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Raul Seixas, Chico Buarque, Elis Regina, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha... E entre tantos ícones, veio uma turma arretada da Bahia. Esse pessoal porreta atendia pelo nome de Novos Baianos, muito prazer, que influenciados pela contracultura e pelo pessoal tropicalista, se reuniu pela primeira vez em Salvador no ano que abre o texto, e se apresentou no espetáculo "Desembarque dos Bichos e Depois do Dilúvio". Também se inscreveram para o quinto festival de Música Popular Brasileira. E cá entre nós: não há jeito melhor de definir o trabalho dos Baianos. Samba, choro e rock pesado se encontravam em uma música muito agitada e bem-humorada, como se Jimi Hendrix tivesse nascido em Salvador e não em Seattle, e fosse discípulo número um de João Gilberto, e com aquele sotaque tão característico e marcante do povo baiano. Refletia o próprio estado de vida em que os mesmos viviam: isolados em uma casa de campo no Rio de Janeiro (para onde eram mandados todos os artistas nordestinos, em verdadeira "migração cultural"), jogando futebol, tocando, tendo experiências alucinógenas, vivendo de dieta macrobiótica, em total encontro com natureza, amor livre e misticismo. Uma mistura consistente, que só poderia dar no que deu. A numerosa formação original consistia de Luís Galvão (letrista), Moraes Moreira (vocal e violão), Paulinho Boca de Cantor (vocal e pandeiro), Baby Consuelo (vocal e percussão), hoje Baby do Brasil, Pepeu Gomes (guitarra, viola, violão e bandolim), Dadi (baixo e violão), Jorginho (bateria, guitarra, cavaquinho, uculelê e bongô), Baixinho (bateria e bumbo) e Bolacha (bongô e percussão), que em 1972 liberaram seu segundo disco que também é seu álbum mais clássico: "Acabou Chorare". Um daqueles álbuns de importância histórica inegável que pode aparecer tranquilamente em qualquer lista dos álbuns mais importantes, inovadores e influentes da história da música contemporânea. Hoje em dia todo mundo presta reverência: Orquestra Imperial, +2, Tribalistas, Vanessa da Mata, Céu, Roberta Sá, Mariana Aydar, Marisa Monte em carreira solo, Devendra Banhart... Uma infinidade de gente.
Primeiro, cordas intimistas começam a prender a sua atenção... "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor!", canta Baby. "O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada/Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato...", e aí o o ouvinte identifica: está ouvindo um dos grandes clássicos dos Baianos, "Brasil Pandeiro". A sessão de cordas entra em polvorosa ao decorrer da canção, até que explode junto com a percussão no refrão "Brasil/Esquentai vossos pandeiros/Iluminai os terreiros/Que nós queremos sambar!". Forte, bonita, mágica, uma sonoridade que parece atual até os dias de hoje.
O clássico-mor "Preta Pretinha" entra com um violão doce e belo, abrindo oportunidade para Paulinho Boca de Cantor fazer jus ao apelido e destilar todo seu sotaque e carisma. "Só, só, somente só/Assim vou lhe chamar/Assim você vai ser", canta o melódico e apaixonado refrão. A música vai ganhando intensidade e riqueza em perfeitos quase sete minutos. "Abre a porta e a janela, e vem ver o sol nascer", convida Paulinho junto com toda a banda cantando a plenos pulmões.
Agora é hora de Pepeu Gomes e Baby Consuelo detonarem! "Tinindo Trincando" é introduzida pela guitarra estilo Jimi-Hendrix-baiano, Baby canta rápida sob um ritmo pesado com uma percussão muito rica versos como "Por que quem invade/Não chega não/Chega não, porque pera aí/Sou mesmo assim!". E os choristas incendeiam suas guitarras, e os rockers sentem os tropicais ventos atingirem suas rebeldes faces.
"Minha carne é de carnaval/Meu coração é igual", é assim que Paulinho inicia "Swing de Campo Grande", com um dos refrões mais divertidos da bolacha, e uma das sessões de cordas mais hipnotizantes, isso, claro, sem esquecer da sessão percussiva explodindo brasileirissimamente aos ouvidos. "Olha aqui, eu não marco toca/Eu viro toca/Eu viro moita", cantam todos, convidando os ouvintes a cantarem, maravilhados.
"Acabou Chorare", a faixa-título, tem uma curiosa origem: apesar de brasileira, Baby Consuelo passou parte da infância no México, que lhe deu o costume pueril de falar um híbrido de espanhol e português. A expressão em questão surgiu quando a jovem Baby caiu feio no chão, abriu o maior berreiro, e quando a família veio ver o que era, passou a gritar: "Acabou chorare!" ((dizem também que foi criada pela filha de João Gilberto, enquanto João e Moraes ensaiavam - ela teria caído, chorado e sido consolada pelo pai, e a certo ponto, dito a tal expressão - vai saber). Acompanhando as cordas onomatopeicamente, em clima quase infantil mesmo, Paulinho conta a poética visita que recebeu de uma abelha. "Acabou chorare, ficou tudo lindo...", "Abelha, abelhinha/escondido faz bonito/Faz zumzum e mel"... Singela e leve demais para ser descrita com palavras.
Algumas das melodias mais marcantes estão contidas em "Mistério do Planeta". Em uma letra um tanto quanto metafórica e misteriosa, o Boca de Cantor versa sobre sua participação na sociedade, no planeta, no universo: sendo o mistério tanto no passado, quanto no presente, mas independente disso, apenas um malandro, um moleque do Brasil. O baixo de Dadi dá todo um charme à coisa toda, deixando-nos nos trilhos para ouvir um solo totalmente psicodélico de Pepeu, que encerra a canção.
"A Menina Dança", já regravada por Marisa Monte, vem com Baby Consuelo deliciando os ouvintes com seu sotaque forte e contagiante, que dá cores tropical à música. "Quando eu cheguei tudo, tudo/Tudo estava virado/Apenas viro me viro/Mas eu mesma viro os olhinhos", canta ela cheia de graça. Guitarras, violões e pandeiros proporcionam uma viagem única. Dançante na letra e na música, com aquela vibração que só os brasileiros têm.
Isso aqui é Brasil na veia e saindo pelas caixas de som: "Besta é Tu". Sinta-se golpeado manhosamente pelo pandeiro, saia sambando sozinho pelo recinto, junto com um empolgado Paulinho discutindo a razão da necessidade de viver, além da história paralela em que ele conquista uma morena - "Mas isso é só porque ela se derrete toda/Só porque eu sou baiano"... Discurso vazio? Falta de profundidade? Bichim... "Besta é tu, besta é tu, besta é tu!"
"Um Bilhete Para Didi" é uma deliciosa instrumental nordestíssima - deixe-se levar pela parede de percussão, o cavaquinho de Jorginho, as guitarras ácidas de Pepeu e Dadi novamente arrepiando no baixo, fazendo ele soar cru, seco e delicioso. Remetente sortudo: imagine receber um bilhete tocando uma música tão criativa?
E encerrando... Ela volta! "Preta Pretinha II", reduzida aos três minutos, onde Paulinho já vem chamando sua nêga desde o início, enquanto a percussão acompanha e novamente transcorre novamente aquela clássica, apaixonada e regional letra. "Sou um pássaro que vive avoando/Avoando sem nunca mais parar/Ai, ai, Ai, ai, Saudade/Não venha me matar", fecham o Boca de Cantor, Consuelo, Moraes e todos os outros, inspiradíssimos.
Um dos grupos mais diferentes e originais surgidos em terra brasilis, em que poucos ficam em pé de igualdade. Um som tão rico, tão cheio de detalhes, e tão simples. Uma alma tupiniquim apaixonada pela sua terra que tem palmeiras onde canta o sabiá - sem discussões teológico-filosófico-político-existenciais profundas, isso aqui é puro Brasil, e só. Só, só, somente só.
Marcadores: Resenhas
posted by billy shears at 10:20 PM
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