sábado, setembro 29, 2007
Junkiebox #5
(Colaboraram Bêr e Nat) Grinderman – Grinderman: Mais um álbum do sinistro e genial Nick Cave, um dos mais prolíficos músicos do rock há exatos 30 anos. Dando um tempo para os seus Bad Seeds, Nick chamou dois de seus companheiros de banda e mais alguns outros músicos e montou o despirocado Grinderman. Em meio a guitarras e baixos ensurdecedores, distorções atordoantes e uma percussão maníaca, Nick fala, canta e lamenta da forma mais trôpega possível. O resultado final é urbano, sujo, alcoolizado e violento como só o rock aprendeu a ser nesses 50 anos de passeios no lado selvagem. Como bem disse uma resenha gringa, “nem Ted Nugent é heterossexual o suficiente para ouvir este álbum”. Ouça: No Pussy Blues Turbonegro – Retox: Vindos da Noruega com uma carreira fonográfica que já dura quase vinte anos, o Turbonegro é garantia de diversão. O som pode não ser o mais original do mundo, mas a energia e peso do hard rock em colisão com a sujeira e agressividade punk extremamente bem feitos fazem com que você se esqueça da eterna cobrança pelo novo. No lugar disso, você irá se deparar com o humor absurdo da banda, falando de temas bizarros, escatológicos e pouco usuais. Provas disso são porradas como “ No, I’m Alpha Male”, “ Do You Do You Dig Destruction”, a stoogeana “ I Wanna Come” e principalmente a surreal e explicativa “ What Is Rock”, que descreve que Rock nada mais é que a área entre o ânus e os testículos de um homem ou um cachorro. Para chocar parentes conservadores, incomodar os vizinhos e não deixar absolutamente ninguém parado. Ouça: I Wanna Come Marilyn Manson – Eat Me, Drink Me: Anúncio de uma temática romântica no trabalho que viria. Lançamento de perfume. Casamento com Dita Von Teese. Divórcio pouco após disso. Estafa e depressão. Declaração de admiração por cantores pop. Ataques diretos às bandas emo. Esse foi o universo de Manson entre os lançamentos de “ The Golden Age Of Grotesque” e “ Eat Me, Drink Me”. Em seu disco mais pessoal, o garoto atordoado que virou ídolo de toda uma geração de jovens está fazendo com sua música o que está fazendo com sua vida particular: não está fornicando, tampouco saindo de cima. No início até que engana, mas com o passar das ouvidas, percebe-se que falta algo. A barulheira insana transformou-se em barulheira condicionada, de soluções hard-roqueiras previsíveis e fáceis, isso quando não caem no pop deslavado. Trent Reznor se repetindo, Marilyn Manson se repetindo... Estaria o gênero industrial vislumbrando o início de um amargo fim? Ouça: You And Me And The Devil Makes 3 Rufus Wainwright – Release The Stars: Filiação de pais separados, homossexualidade não aprovada pela família, estupro aos catorze anos, internação para cura de vício em anfetamina. Esses são alguns elementos que compõem o atormentado universo do cantor e compositor cadanense-americano Rufus Wainwright. Mesmo nunca tendo feito grande sucesso comercial, o músico demonstra grande fluxo de criatividade ao lançar vários álbuns, Eps e músicas para trilha sonora de filmes. Sua música mescla a simplicidade do folk e a garra do rock com a formação musical do cantor, envolvido com ópera e música erudita desde a adolescência. Talvez daí venha a grande facilidade de transformar sentimentos cinzentos em música. E este novo álbum, “Release The Stars”, é outra prova incontestável e emocionante de todas as afirmações feitas na resenha. Ouça: Rules And Regulations Yoko Ono – Yes, I’m A Witch: Yoko é a grande vilã do rock and roll. Desde que ouve falar em música, você aprende em não gostar da viúva de John Lennon, “aquela que acabou com os Beatles”. Ainda bem que tudo que é proibido e condenável é mais gostoso. Aos 74 anos, a japonesa assume a vilania na maior cara de pau e mostra que a idade não impede que ela mantenha-se atualizada quando o assunto é música. Sem medo nenhum, grava com artistas muito mais novos com ela e dá sua visão amadurecida sobre novas tendências musicais chamando várias estrelas da nova música, como Peaches, Le Tigre, The Polyphonic Spree, Porcupine Tree e Cat Power, entre outros. O resultado é diverso e interessantíssimo. Tudo bem que devido ao grande número de canções (17, no total), o álbum não é cativante em 100% dos casos, mas aí já é pedir demais que uma senhora já velhinha tenha aqueles arroubos de genialidade juvenil. Ouça: Kiss Kiss Kiss Cachorro Grande – Todos Os Tempos: Ternos, gravatas e chapéus tipo Bob Dylan. Quem mais poderia ser? " Todos os Tempos", quarto álbum do quinteto gaúcho, é um excelente disco: continua naquela linha de rocknroll e vocais gritados. Sonoridade super anos 60s e 70s, talvez até pelo modo com que o disco foi gravado: “Gravamos tudo em um ou dois takes. Três no máximo” (Rafael Ramos – produtor do disco). “ Todos os Tempos” é daqueles discos que são bons do inicio ao fim: “ Você Me Faz Continuar” – a primeira faixa do disco, é uma das canções mais dançantes, enquanto “ O certo e o Errado” – última faixa, é um rock nervoso cuja letra narra uma briga entre Beto e Gross. Super rocknroll! Ouça: Você Me Faz Continuar Björk – Volta: Assim como nos outros discos, Björk continua se dedicando a fazer novas experiências na música. E se você acha que ela já fez coisas diferentes demais, dessa vez ela ainda vai conseguir te surpreender: ela chamou, nada mais, nada menos que Timbaland para participar do disco. É aquele mesmo, que já gravou com Nelly Furtado, Justin Timberlake, Pussycat Dolls... Bom, chega né? O single “ Earth Intruders” é uma das melhores músicas do disco. Cheia de batidas a-la timbalada e experimentalismo da Björk. No mínimo curioso, não? Ouça: Earth Intruders The Chemical Brothers – We Are The Night: Nunca fui grande fã de música eletrônica, mas depois de tanto ouvir o nome Chemical Brothers por aí, resolvi ouvir alguma coisa dos caras, e descobri que já havia escutado, sem ao menos saber que eram eles que ecoavam em meus ouvidos. " We Are The Night" é o sexto álbum da banda (ou dupla) britânica. Muito badalados nos anos 90,os irmãos químicos eram figurinha carimbada nas pistas do mundo todo. Porém, de lá pra cá são mais de dez anos, e quem antes dançava ao som de Chemical Brothers, não dança mais...E por esse mesmo motivo, Tom Rowlands (Chemical Tom) e Ed Simons (Chemical Ed), não deram a chance pra ninguém dizer que eles estão velhos e ultrapassados em se tratando de música eletrônica. Eles chamaram os Klaxons para participação em uma das faixas do disco - " All Rights Reversed", uma das melhores músicas desse álbum. Ouça: All Rights Reversed Chris Cornell – Carry On: Soundgarden era uma banda legal, foi a melhor fase do Chris Cornell, já que o Audioslave não durou muito. "Diferenças irreconciliáveis" – esse é o motivo da saída de Chris da banda. Tá... sei. O fato é que os três outros membros da banda voltaram com o Rage Against the Machine, e então Chris Cornell anunciou sua saída da banda. Então, Chris parte pra outra e lança um cd solo: " Carry On", que em certos momentos até parece ser bom. O cd conta com " You Know My Name", que faz parte da trilha sonora de " 007 – Cassino Royale". Mas, de repente surge um cover de " Billie Jean" do Michael Jackson, e quem está ouvindo o disco não entende mais nada. Chris Cornell, monte outra banda. Mas dessa vez, sem membros do RATM, ou então sem covers de Michael Jackson. Ouça: You Know My Name Velvet Revolver – Libertad: Desde 2002, quando a banda se reuniu pela primeira vez, todos os fãs do Guns n’ Roses e do Stone Temple Pilots devem ter ficado na maior expectativa do lançamento do “ Contraband”, que não agradou tanto os fãs. Afinal... três ex-membros do Guns n’ Roses e o ex-vocalista do Stone Temple Pilots... vá dizer que você não esperaria um baita discaço? Até era um bom disco, mas toda a fama dos membros fez com que todos esperassem sempre mais e mais. Porém, “ Libertad” vem pra provar que o Velvet Revolver é muito mais do que uma banda de ex-membros de outras grandes bandas. Muitos riffs, solos e hard rock de primeira. Esqueça da existência do GN’R e STP, coloque “ Libertad” no último e saia fazendo air guitar pela casa. Ouça: She Builds Quick Machines Marcadores: Junkiebox
posted by billy shears at 8:49 PM
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quinta-feira, setembro 20, 2007
Secos & Molhados (73) – Secos & Molhados
Os Secos & Molhados foram um grande poema. Poesia cantada, interpretada e dançada Numa época em que o rock tinha fortíssima inspiração importada, como os Mutantes e sua psicodelia inglesa ou Gilberto Gil e seu Sgt. Peppers brasileiro, foram eles que alteraram toda a música criando um som único, poderoso e original. A atitude era roqueira, claro: destoavam dos hábitos moralistas da sociedade em plena ditadura com suas encenações andróginas e sensuais, protestavam em arte tipicamente brasileira, lotavam ginásios e estádios. Mas o som era popular, daí a classificação de heróis dos jovens e dos velhos: era música que atingia a todos, desde os adolescentes batuqueiros aos românticos de tempos melhores.
A proposta original foi de João Ricardo, líder da banda e compositor da maior parte das músicas: musicar poesia, idéia fortemente influenciada por seu pai João Apolinário, poeta português radicado no Brasil. Era esse fator que aproximava os fãs mais artísticos, afinal, eles não transformavam poemas quilométricos em canções pouco instrumentais. Eles criavam melodias que interagiam com os versos, como se fosse outro poema acompanhando-o. Em outras palavras, não era apenas um cara com voz de mulher lendo textos portugueses sem emoção. Por outro lado, eram uma banda de músicos completos: João Ricardo, além de tudo, ainda tocava violão de 6 e 12 cordas e harmônica. Gerson Conrad, além de ser ajudante na voz e compositor de uma parte das melodias, também tocava violão. Marcelo Frias, que não era considerado membro mas aparece na capa do álbum, era baterista e percussionista. O vocal de Ney Matogrosso dispensa comentários, certo? Outro destaque, fato esse que taxou a banda de “homossexual” logo no começo, era o uso excessivo de maquiagem no rosto – tentativa de Ney de poder se “mascarar” para que pudesse andar nas ruas sem problemas –, que chegava a esconder as feições.
Ney Matogrosso era a voz perfeita, assim como as melodias de João Ricardo e o vocal de fundo de Gerson Conrad. A bateria de Marcelo Frias, o baixo de Willie Verdaguer e a guitarra de John Flavin ajudaram muito. Como banda eles eram excelentes, muito acima de tudo que era feito na época. Não aderiram à moda do experimentalismo psicodélico da época (cof, Mutantes, cof), nem tentaram misturar samba com tudo como outros fizeram porcamente. Eles seguiam as melodias com os instrumentos completando-se, impondo o espírito da poesia à música. Prova maior disso é o álbum Secos & Molhados de 1973, por muitos considerados a obra-prima da banda, tanto pelas composições líricas quanto musicais.
Que demonstração melhor da qualidade musical que o baixo tocando forte no começo de “Sangue Latino” , com o acréscimo da guitarra e da bateria em ritmo crescente, para entrar finalmente Ney cantando? E quanto à letra, “jurei mentiras e sigo sozinho/assumo os pecados”, não resta nada a dizer além de aplausos: um poema sobre a solidão e, principalmente, a auto-depreciação. A voz já tem o característico destaque, com os outros instrumentos apenas acompanhando. E é ela que dá o tom, numa performance emocionante na canção mais revigorante que o Brasil já produziu. Abertura melhor, impossível.
“O Vira”, talvez a música mais conhecida dos Secos, tem o início roqueiro, pesado, forte. Até entrar o piano e se tornar um baião divertido. Não é poesia séria, não tem uma melodia poética, nada disso: mas é inesquecível Ney cantando. É a típica canção divertida que dá o toque de descontração ao álbum.
São as cordas que ditam a música em “O Patrão Nosso de Cada Dia”, desde seu início com o sino badalando até elas se tornarem acompanhante da flauta. Ao menos até entrar o vocal, numa das atuações mais emocionantes da banda. A letra é assumidamente anti-burguesia, com versos como “eu vivo preso à sua senha/sou enganado/eu solto o ar no fim do dia/perdi a vida.” Sem falar do romantismo do início, com a flor de cactus. Linda, linda de morrer.
“Amor” é a primeira das músicas rock dos Secos & Molhados, e é aqui que eles demonstram a que vieram. Afinal, as três faixas anteriores eram excelentes, mas não eram muito diferentes do que tinha sido feito até então. O baixo berra ao fundo, a bateria acompanha, e a voz em conjunto, agora com mais destaque a João Ricardo, numa poesia que explica o amor de forma criativa como ninguém mais fez. Não é uma declaração ou um soneto meloso, é, simplesmente a descrição do amor.
O piano é usado num blues, a faixa mais longa do álbum. O início de “Primavera nos Dentes” tem o básico, além do piano: a bateria e a guitarra bem fraca. Depois de três minutos de aceleração viajante, as vozes novamente em coro em uma canção interpretada tanto quanto manifesto anti-ditadura quanto como versos existencialistas. “Quem não vacila mesmo derrotado/quem já perdido nunca desespera/e envolto em tempestade, decepado/entre os dentes segura a primavera”, para então vir o grito de Ney, para voltar à viagem mais uma vez. Prova maior de harmonia entre letra e composição.
Os batuques no começo de “Assim Assado” não demonstram, mas essa tem a guitarra mais forte do disco, que acompanha como se fosse uma segunda voz, na letra mais maluca da história, e, ao mesmo tempo, uma das mais cativantes. Destaque para o solo de guitarra no meio, poderosíssimo, sem sombra de dúvida. Quer aprender a unir música brasileira com rock da melhor forma? Ouça-a.
E é “Mulher Barriguda” que confirma a afirmação de que sim, Secos & Molhados é uma banda de rock. Tudo muito rápido, muito violento, o piano levando o som a outro nível de originalidade, a gaita ao meio de tudo da forma mais Bob Dylan possível, e a guitarra, meu deus, que guitarra, que baixo. Ok, o nome faz parecer uma música dos Mamonas Assassinas. Mas não é: é uma canção anti-guerra, acreditem. Quando eles (porque aqui o vocal não é único) cantam “mulher barriguda/que vai ter menino/Qual o destino/que ele vai ter?/o que será ele/quando crescer?/haverá guerra ainda?/tomara que não”, você percebe o poder do rock ‘n’ roll de atrair multidões a seu favor e seus ideais. Lembrem-se: a guerra no Vietnã ainda não tinha acabado.
A mais curta canção do disco, “El Rey”, que tem menos de um minuto, segue do início ao fim a junção completa entre cordas de violão e cordas vocais, e tem um resultado que não se pode negar ser emocionante. A letra, insistente, que repete o verso “eu vi El Rey andar de quatro”, é uma profunda metáfora, sobre os reis, ou não.
O toque de “Rosa de Hiroshima”, no começo, parece o mesmo de O Patrão Nosso de Cada Dia, e provavelmente os desavisados vão achar que é a mesma música se repetindo. Muito enganados, baby. Quando entra a flauta e a (bela) melodia continua inalterada até se unir ao vocal, que cantarola com sentimento a poesia de Vinícius de Moraes. É botar para tocar numa festa e ver aparecer as lágrimas nos rostos das velhinhas.
A melodia é baladeira, verdade. Mas “Prece Cósmica,” composição surrealista de Cassiano Ricardo, é a genialidade da poesia transformada em música. O coro que canta “que os quatro como num teatro/conservem a mão sem nenhum gesto/que o vinho quente do coração uóu uauaum/lhes suba à cabeça/espessa”, o violino (seria um violino?) que faz o solo, a guitarra acompanhando a bateria... é lindo, a canção que me fez gostar de Secos & Molhados. Destaque para o “uóu uauaum/”, cantado de forma descarada satirizando aqueles tempos psicodélicos e mágicos.
Ao ouvir “Rondó do Capitão”, composição de Manuel Bandeira, a imagem que vem à cabeça é provavelmente a de mãos flutuando sobre um violão. Novamente um dueto de cordas e sopro, esse último representado pela flauta. Ney recebe grande destaque nessa canção alegre, que cantarola: “bão balalão/senhor capitão/tirai esse peso do meu coração/não é de tristeza/não é de aflição/é só de esperança.” Curta, realmente, um minuto e cinco segundos. Mas é ouvir para sair cantando.
“As Andorinhas”, outra poesia de Cassiano Ricardo, é basicamente uma frase só, cantada silabada, “nos fios tensos da pauta de metal as andorinhas gritam por falta de uma clave de sol,” mas ela é cantada de tal forma, com a percussão evocando espíritos eruditos e a voz leve e lenta, que é impossível você não querer ouvi-la novamente. É poesia, poesia pura, pura e surrealista, surrealista e genial.
“Fala” tem um ritmo que remete às canções de John Lennon (ouça "God" que você entenderá), mas com um toque crescente e a voz de Ney. Além da letra, que resume bem os momentos de quietude, “eu não sei dizer/nada por dizer/então eu escuto,” os músicos mostram aqui todo seu talento, de guitarras distorcidas ao violino, cordas e percussão. É a típica música da vida de muita gente, espetacular, emocionante, com no fim tudo sendo levado ao caos com o fim, no que parece ser uma quebra de instrumentos geral.
E é assim que acaba o primeiro disco dos Secos & Molhados. Agora só podemos imaginar qual foi a sensação do jovem que desligava seu som em 1973 depois da primeira audição desse álbum. Tirava o bolachão do toca-discos, empurrava a agulha para o lado e se sentava no sofá de couro. Lembrava-se de cada composição, cada verso, cada melodia, cada segundo. Pensava que o rock podia, sim, ser brasileiro e ser bom (senão melhor). Ele não sabia ainda, mas um ano depois ele compraria o segundo disco que também haveria de ser uma obra-prima. E não se decepcionaria. Secos & Molhados foi poesia, uma das únicas bandas do mundo que tinha o poder de envolver o ouvinte em palavras e sons. Marcadores: Resenhas
posted by Gabriel M. Faria at 8:40 PM
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quarta-feira, setembro 12, 2007
Beck - Odelay
Quem conhece, sabe: Beck Hansen pode ser considerado qualquer coisa, menos um artista ortodoxo. O californiano filho de atores e músicos que quando mais jovem catalogava filmes pornôs em ordem alfabética por quatro dólares a hora e que já morou em um galpão cheio de ratos há mais de dez anos vem se mostrando alguém notório na música pop. Cantor, compositor e multi-insrumentista, Hansen sempre foi capaz de surpreender a todos que nem David Bowie faria: sendo uma enciclopédia ambulante e obsessiva pela música, conhecedor de várias vanguardas e movimentos regionais, admirador de velharias famosas e obscuras, o que acaba resultando em um artista inquieto que, quanto mais suga informação, mais consegue devolver isso em forma de música. A vibrante música muda de sintonia a cada disco, mas no geral, Beck vai desde a fórmula rock-rap-folk-psicodélico que consagrou o cantor até caminhos que desafiavam a criatividade do músico, como a tropicália, o low-profile, a soul music, música espanhola, entre outros. Sexo, introspecção, auto-afirmação, pessimismo, romance, dor... Não é à toa que é um dos poucos artistas de gravadora grande e com público de massa razoável que também faz sucesso e é incensado pelo público alternativo e pela crítica especializada. O primeiro álbum de Beck a ficar famoso foi o seu segundo, "Mellow Gold", puxada pelo já clássico hit "Loser", mas julgo seu sucessor, "Odelay", o melhor exemplo do que é realmente a música de Beck Hansen. Se no disco anterior vários gêneros musicais eram recheados de orquestrações e perfeccionismo inseridos em um contexto sujo e direto, que só denunciava a tendência outsider do cantor - aquele que nunca está até o pescoço a algum ambiente - o disco em questão, lançado em 1996 pela Geffen, é variadíssimo, até mais que o seu predecessor, e mostra um trabalho aparentemente mais polido - mas nem por isso menos absurdamente criativo e freak. A produção não poderia estar em melhores mãos: ficou a cargo de gente como os Dust Brothers (responsáveis por um disco igualmente absurdo e inventivo: "Paul's Boutique", dos Beastie Boys) e o brasileiro Mário Caldato Jr. (Beastie Boys, Super Furry Animals, Molotov, Marcelo D2, Seu Jorge, Nação Zumbi, etc.), entre outros.
O disco começa já com uma de suas músicas mais famosas, "Devils Haircut". Mesmerizante, com Beck recheando a canção de pequenos detalhes, como teclados borbulhantes, linhas de baixo destoando, com a letra discorrendo sobre uma pessoa pessimista, em versos como "em todo lugar que eu olho, há um final morto esperando", descrevendo um mundo decadente, sempre desembocando no poderoso e grudento refrão "eu ganhei um corte de cabelo demoníaco na minha mente". Passando pelo pop, pelo dançante, pelo viajante e quase alcançando um nível etéreo, a música pode ser facilmente considerada uma das melhores da carreira do cantor.
Cordas abrem "Hotwax", canção que, mesmo mais lenta, com uma melodia principal relaxante, é recheada de momentos onde regionalismos e eletronices vem à tona para pegar o ouvinte totalmente desprevenido. Nos moldes de "Loser", é uma canção que funde versos em inglês com um refrão espanhol, com Beck afirmando ser um disco quebrado e ter um chiclete no cérebro. Um atordoamento relaxante, por assim dizer.
"Lord Only Knows" é aberta por um grito horripilante para então se transformar em um delicioso pop ao mesmo tempo ensolarado e ruidoso, de ritmo pulsante e com linhas vocais excelentes. E quando você pensa que Beck estava voltando à normalidade, ele deixa a música quase que esquizofrênica, e por outras vezes quase folk, enquanto Beck canta que apenas deus sabe o quanto está tarde para voltar atrás.
A seguinte, "The New Pollution" começa com vocais e teclados desencontrados para que a bateria imprima um ritmo constante, compondo uma das melhores músicas do disco, também com um dos refrãos mais em destaque, contagiante ao extremo. Com o passar da música, vemos uma letra cheia de metáforas sobre a solidão, com instrumentos de sopro que deixam a música com um quê de sensualidade.
Uma das sessões percussivas mais interessantes nos é mostrada em "Derelict". Beck dá suas vocalizações mais desleixadas, com uma voz pastosa combinando com a letra, que fala sobre uma noite em que tudo deu errado. Os muitos ruídos que acompanham a incansável bateria chegam a dar a sensação de estar perdido.
"Novacane" é uma das mais diversificadas do álbum. Melodias relaxantes combinam com scratches, daí a pouco temos um momento dançante e Beck cantando uma marra rapper incrível enquanto ruídos eletrônicos não se aquietam. OK, sabemos que a cabeça do rapaz não funciona como a da maioria, mas temos uma das letras mais complexas então, onde uma letra de estrada se funde a termos científicos e biológicos.
Guiada por belas e tranquilas cordas, essa é a balada "Jack-Ass". Bonita em todos os sentidos, de líricas e vocalizações nostálgicas, falando tanto sobre solidão quanto relacionamentos desgastados. Nem as ritmadas batidas inseridas na música conseguem quebrar a beleza inerente da canção. A música chega no seu ápice pessimista quando, no seu final, o som de um burro atacado chega aos ouvidos.
Outro dos sucessos do álbum, esse é "Where It's At". O tradicional folkdélico rapper de Hansen, com samples e scratches repartindo espaço com cordas e efeitos viajantes. O refrão é forte, direto e até mesmo pesado. Uma música sobre decadência social que sempre desemboca com Beck respondendo sobre os equipamentos de gravação que possui. Maravilhosamente exótica.
"Minus" é a que mais se aproxima do rock alternativo que era feito na época - um baixo sujo, uma guitarra distorcida e ruidosa e uma bateria direta e na lata, alternando cadência e velocidade, mas sempre com muito peso. Aqui testemunhamos um Beck apocalíptico de uma forma quase bíblica na letra. Verdadeira porrada na orelha.
Aberta por um assobio, "Sissyneck" então prossegue com uma cozinha forte e marcante como principal destaque. Ao chegar no refrão, a música fica mais pop e acessível, até voltar para os versos repetitivos e fortes. O pessimismo inerente ao mundo de Hansen se faz mais presente que nunca, onde ele avisa "não fale comigo se você estiver procurando por alguém para ser consolado". E tudo acaba com mais um grito demente...
"Readymade" pisa no freio, com o baixo ressoando quase como uma cama e a bateria seguindo lenta, e as melodias surgindo de forma esparsa, competindo espaço com efeitos eletrônicos. Até o jazz tem seu espaço em alguns momentos, onde na letra o cantor está desesperado para fugir da vida que leva.
A penúltima leva o nome de "High 5 (Rock The Catskills)", onde um início sampleado de "Desafinado" de João Gilberto (influência de infância do cantor) logo se transforma em uma música de fundo eletrônico recheado de graves e voz microfonada, com vários outros samples de vozes de rappers de Los Angeles. Um Beck de voz rasgada partilha o refrão com um coro de várias pessoas. Extremamente inventiva.
O álbum enfim encontra seu final, em "Ramshackle", uma balada onde Beck tenta se redimir de todo o seu pessimismo e sai em busca de arranjar ânimo para continuar andando e cantar mais uma canção. Realmente, após tanta maluquice, o mais bizarro seria encerrar tudo com uma música mais convencional... E com um barulho repetido e irritante ao seu final após mais de dois minutos em puro silêncio.
É engraçado notar que, há mais de uma década, poucos podem se gabar de poder competir com Beck Hansen. Definitivamente, um artista que não se vê por aí todo dia. Capaz de tocar do acorde mais melódico e careta até o pancadão eletrônico mais irritante, tudo posto no contexto do mundo de ruídos que só existe na cabeça do cantor, e que ele felizmente faz questão de botar para fora caso tenha qualquer idéia diferente. Resumindo, um cara para se chamar de genial. Marcadores: Resenhas
posted by billy shears at 11:26 PM
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sábado, setembro 08, 2007
Elvis Presley - Elvis Presley
That’s all right! Now, with you: Elvis, The Pelvis!
A não ser que nas últimas cinco décadas o leitor tenha morado em algum planeta distante ou vivido nas profundezas do subterrâneo, torna-se inevitável conhecer o garoto que nasceu em Tupelo, Mississipi, e se mudando para Memphis ainda adolescente, conheceu Coronel Tom Parker, o empresário que dizia que ficaria rico no dia em que encontrasse um branco que cantasse feito um negro. Esse branco tinha nome, voz e quadris encarnados nesse garoto: Elvis Aaron Presley. Ou como se lançou primeiro na Sun Records, depois na RCA, Elvis Presley. O abençoado moleque então se tornou um dos maiores da cultura de massa do século 20.
Se você está no mundo do rock há algum tempo, provavelmente já encontrou muitos comentários dizendo que Elvis não era tanto assim – ele não era “O Matador” feito Jerry Lee Lewis, “A Voz” feito Little Richard, “O Homem de Preto” feito Johnny Cash ou gênios rústicos e primitivos como Chuck Berry e Bo Diddley. Mas sinceramente... Não precisava. O carisma e a sexualidade absurdas exibidas no topete, no rebolado e nos gestos eram suficientes para que Elvis chocasse a sociedade americana branca, anglo-saxã e protestante com apenas um dedo chamando a mulherada, que é claro, ia à loucura. Aqueles rocks inflamados e aquelas baladas impostas foram suficientes para que vários garotos começassem a se comportar como Elvis, Jerry Lee e o ator James Dean no clássico “Juventude Transviada”. Entre esses atentos discípulos, estavam ícones como quatro rapazes de Liverpool que sonhavam em ser os Elvis Presley ingleses, que atendiam por Beatles, um baiano arretado que misturava baião e mandingas ao seu rockabilly, chame-o de Raul Seixas, aqueles obsessivos pelo rythm ‘n’ blues acelerados e seus topetes fascinantes, falamos de Stray Cats, e até um certo cara sombrio e introspectivo, que o público trata com certo temor e chama de Nick Cave. Isso, claro, parando em quatro exemplos influentes. Pense em um músico de Rock famoso. Pensou? Se não é fã de Elvis, pelo menos o tal já passou uns minutos de sua vida dançando “Jailhouse Rock” e “Teddy Bear”...
O primeiro álbum de Elvis - de 1956 - é definitivamente um estouro nos ouvidos. Pense comigo. Em uma sociedade de adolescentes brancos reprimidos, aquele disco que tem Elvis berrando com seu violão na capa, com um logotipo que mais de duas décadas depois seria reverenciado pelo The Clash no clássico supremo "London Calling", aquela mistura bizarra para a época de blues, gospel e country, com mr. Presley provocando de forma tão abusada que os então jovens sentiram-se ainda mais virgens e inocentes, como se alguém estivesse colocando a mão em suas virilhas pela primeira vez. Daí todo o estardalhaço no show do homem, que muitas vezes acabava em brigas violentas. Pois então. Gravado e mixado em poucas horas pela RCA Vitor de forma bem crua e direta, o rock finalmente saía de casas famigeradas por aceitarem negros e brancos para ganhar toda a América da Norte. E mais tarde, o mundo.
Três estouros. Um pelo dinheiro, dois pelos shows, três para se aprontar e... Estamos ouvindo "Blue Suede Shoes"! Uma música explosiva, com a guitarra soando altíssima e Elvis cheio de melanina e sex appeal no vocal. Na letra, ele tenta proteger seus sapatos de qualquer jeito, dizendo que "Você pode queimar minha casa/roubar o meu carro/Beber meu licor/De um velho jarro de frutas/Fazer o que quiser/Mas querida, fique longe desses sapatos!". Um dos maiores clássicos da carreira de Elvis Presley, e diga-se de passagem, merecidamente.
"I'm Counting On You" pisa no freio, mostrando aqui uma doce balada romântica altamente blueseira, em uma esperançada e emocionada canção onde o cantor espera que ele e a garota fiquem juntos no final. Com um refrão crescente, acrescidos de belos backing vocals e um grudento piano, a música é de uma beleza singela, quase inocente depois de mais de cincos décadas de tanto mau-mocismo.
Elvis dá sua versão a um grande clássico do imortal Ray Charles em "I Got A Woman". Rápida, incendiária, com Presley cantando à toda voz que está com uma mulher que é muito boa para ele, que ama ele incondicionalmente, com várias paradinhas e a guitarra estalando aos ouvidos e chamando para a dança. De um poder e energia incríveis demais para serem descrevidos. Nesse caso, só ouvindo para entender a rasgação de seda.
Um teclado introduz "One-Sided Love Affair", com uma interpretação até bem humorada do cantor, mais lenta que a anterior, mas ainda assim dançante, com o baixão gritando aos ouvidos e deixando o ouvinte extasiado. Elvis declara que se a garota quer ser amada, beijada e abraçada, terá que amar, beijar e abraçar o cantor. Pois afinal, como declara o próprio, "não estou aqui para um relacionamento apaixonado de um lado só".
"I Love You Because" é outra balada, só que dessa vez muito mais rasgada. Cordas e assobios acompanham Presley cantando versos carinhosos, realmente para derreter o coração de qualquer que ouvisse, independente do sexo, com Elvis dizendo ao final: "eu te amo por cem mil razões/mas principalmente porque você é você".
O Rock volta em "Just Because", uma das músicas mais animadas do disco, com uma sessão percussiva inquieta e algumas das melhores melodias de guitarra de todo o álbum. Elvis, ressentindo, canta que só porque a garota parece ser linda perfeita, ela não tem o direito de rir da cara dele. E ainda diz que haverá uma época em que ela estará sozinha, e que nem o Papai Noel se lembrará dela. Seria uma vingança comida como um prato frio, mas... Com o calor existente dentro artista em questão, impossível!
"Wah-Bap-Loo-Bap-Wap-Bang-Boom!". É isso aí. Elvis Presley regravou o maior hino de Little Richard, "Tutti Frutti", retirando a sujeira e a voz rasgada da original e inserindo força instrumental e sua clássica voz imposta, cantando sobre Sue e Daisy, garotas que deixam o eu-lírico realmente louco e sem reação. Tudo bem que a versão que Little Richard compôs e gravou dá um banho nessa aqui mas... Essa regravação que vemos aqui não faz feio. Mesmo.
"Tryin' To Get To You" é um dos melhores desempenhos vocais de Elvis em toda sua carreira, mesmo com a música esbanjando simplicidade. A letra é bem direta ao afirmar que o eu-lírico não desiste por nada de chegar até a sua amada. Um dos ápices do disco, com várias paradinhas empolgantes e um refrão mais do que cativante.
Fogo na alma de novo? Pois sim. "I'm Gonna Sit Right Down And Cry (Over You)", apesar do título meloso, é agito dos bons, meu rapaz. Um teclado entra pelos nossos ouvidos e já nos empurra para as melodias contagiantes da guitarra, enquanto baixo e bateria nos fazem bater pé incoscientemente, e Elvis manda o papo de que ele é um romântico possessivo: a garota será amada de todas as maneiras, mas se ela ao menos tentar deixar nosso romântico rockstar, ele não irá parar de chorar.
Olha só, o rapaz está realmente possessivo! Agora já dá pra perceber até pelo título: a música em questão, "I'll Never Let You Go (Little Darlin')", com Elvis lamentando como um cãozinho carente, pedindo perdão por ter feito ela chorar, e que ele nunca mais irá segurar outra garota em seus braços se ela o deixar. Meus companheiros do sexo masculino sabem que realmente podemos chegar a esse nível... Já para as mulheres, é tudo canastrice... Mas não sejamos tão radicais, amigos: a música é de uma beleza incrível, além de ser dotada de uma incrível reviravolta, onde o cantor simplesmente arrasa.
O clássico pop "Blue Moon" é outra regravação que Elvis fez questão de regravar da sua maneira única. Aqui então que o cantor tem seu desempenho mais introspectivo, cantando os já conhecidos versos: "Lua azul, você me viu na maior solidão/Sem um sonho no meu coração/Sem um amor que pudesse ser meu". Em qualquer versão que grava, é incrível como a canção, mesmo sendo tão acessível, não perde a melancolia latente.
O álbum encontra seu final então em mais uma faixa que entrou para a notoriedade e posterioridade depois de encontrar a garganta de Presley: "Money Honey". Uma música em ritmo safado e suingado, com uma sessão percussiva em destaque e as famosas paradinhas marcando presença. A letra mais irônica do álbum, onde Elvis critica o interesse das pessoas apenas pelo dinheiro. Mas no final o próprio assume fazer parte do esquema também ao afirmar: "Mas antes de dizer que eu te amo/Eu quero dinheiro, querida...". Divertidíssima.
E quem diria, lá se vão trinta anos que o primeiro Rei do Rock partiu desse mundo deixando sua marca indelével na história da música do século 20. Tanto em termos de vendagem, quanto de qualidade. Trinta anos que um cara pegou o ritmo de alguns revolucionários cansados da hipócrita república americana que queriam fundar um reinado só deles, e realmente construiu esse império que já perdura há mais de 50 anos. Por essas e outras, nosso muitíssimo obrigado, King Creole!
"Antes de Elvis não existia nada." (John Lennon) Marcadores: Resenhas
posted by billy shears at 10:44 AM
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